Comandando uma das áreas mais sensíveis do governo, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, afirma que o governo petista fez uso político do Bolsa Família. E questiona o efeito prático do programa na redução da pobreza nacional. “Foi um programa que tinha 6 milhões de famílias em 2005 e agora, em 2014, antes de a crise se agravar, já tinha 14 milhões. Aumentou em um período que tinha mais emprego, que a situação econômica não estava tão ruim. Qual é a conclusão a que a gente chega? A questão da redução da pobreza no Brasil não é o que se dizia”.
Longe de questionar a validade do programa, Terra afirma que ele se junta a outras medidas efetivas, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria do trabalhador rural, que não deve ser extinta, na opinião do ministro, que anuncia o prosseguimento do pente-fino ao Bolsa Família, para garantir que ele beneficie a quem precisa de fato.
Vocês identificaram uso político no Bolsa Família?O que se sabe é que não havia um controle mais detalhado do programa. O que nós fizemos foi ampliar a base de dados para ter um controle mais detalhado. Nós chegamos a seis informações diárias distintas para cruzar essas informações e, a partir daí, nós vimos que tinha um número significativo, em torno de 8,1%, de famílias que não fechavam. Aliás, é maior o número, pode chegar a quase 20% do total de incoerências nas respostas e informações que a gente tinha, mas as que certamente foram comprovadas alcançaram 8,1%.
Isso corresponde a quanto?Isso corresponde a 1,1 milhão e mais 1,4 milhão, que vão ter que se recadastrar agora em janeiro. Esse 1,1 milhão está dividido em dois grupos: um grupo que cancelamos, de pessoas que detectamos com uma renda acima do mínimo do cadastro único, mais de meio salário mínimo per capita, cruzando informações. Nesse bloco, tinham 469 mil pessoas, mais ou menos. Em um segundo grupo, dentro desse 1,1 milhão, tinham as pessoas de quem nós bloqueamos o repasse do recurso para a família.
Elas foram excluídas?Isso não significa a exclusão, mas que a família terá que explicar melhor os dados que havia passado.
Vai ter mudança nessa checagem de dados?O que nós vamos fazer agora é um pente-fino no cadastro. Quando a pessoa se cadastra, já passa pelo pente-fino, antes de receber o recurso. Não é para prejudicar quem precisa. Pessoas que precisam vão continuar recebendo. Este ano mesmo, nós demos 12,5% de reajuste, um esforço muito grande em um ano de crise, de orçamento limitado. Eles estavam sem reajuste há dois anos, com inflação alta. Pretendemos dar um novo reajuste no ano que vem.
Uma das críticas que se fazia ao programa era não conseguir criar mecanismos de saída. Eu fiquei muito preocupado com algumas declarações que eu via há alguns anos, de que o programa não era para sair ninguém, era para entrar, para ajudar quem precisa. Eu acho que isso, de alguma maneira, permeou a prática política. Foi um programa que tinha 6 milhões de famílias em 2005 e agora, em 2014, antes de a crise se agravar, já tinha 14 milhões. Aumentou em um período que tinha mais emprego, que a situação econômica não estava tão ruim. Qual é a conclusão a que a gente chega? A questão da redução da pobreza no Brasil não é o que se dizia. O programa acabou tendo uma utilização política. O governo federal fazia o discurso, em todas as eleições, de que, “se nós perdermos as eleições, vocês vão perder o Bolsa Família. Eles vão tirar o Bolsa Família de vocês”.
Isso prejudicava a ascensão das pessoas?As pessoas tinham medo de perder o Bolsa Família se tivessem emprego com carteira assinada. Isso valia tanto para empregada doméstica, quanto para tratorista, na área rural. Nós temos um pacote que vai contemplar todas essas coisas, para resolver o problema.
Mas o governo anterior não criou o Pronatec Bolsa Família?O Pronatec é um programa interessante, só que é feito de cima para baixo. Metade das famílias do Bolsa Família que faziam o Pronatec desistiram antes de terminar porque não tinha utilidade prática nenhuma no lugar que viviam. Dos 50% que faziam o curso até o fim, 90% não conseguiam emprego e renda. O Pronatec estava descolado da realidade de cada região. Outra coisa também que contribuía muito para não avançar (o combate à pobreza) é o microcrédito.
Por quê?O microcrédito hoje está completamente descolado da realidade dos mais pobres. Eles exigem tantas garantias, inclusive patrimônio das pessoas, que quem tiver aquelas garantias todas não precisa de microcrédito. Nós estamos criando o fundo de aval. Nós vamos bancar e não vai precisar de garantia nenhuma. Nós vamos fazer um fundo de suporte e ele vai pegar até R$ 5 mil, ainda estamos vendo o limite, para comprar instrumento de trabalho, para montar um pequeno negócio, vai ter uma assessoria do Sebrae.
Eles vão virar empreendedores?Todo mundo pensa em emprego para o pessoal do Bolsa Família, mas um dos empregos mais humildes, com o salário mais baixo. O cara do Bolsa Família vai ser gari, costureiro, garçom. São empregos dignos, mas por que não criar um clima de pensar grande? Nós convidamos a Microsoft e estamos trabalhando com a Apple, a IBM, para propor um programa de start-up para os jovens do Bolsa Família. A Microsoft vai fazer isso com 100 municípios, eles vão dar o curso. A gente tem que criar uma cultura de ir para a frente, de progredir. Devemos pegar, nesses 100 municípios, uns 20 ou 30 mil jovens, está cheio de talento escondido.
E o papel do prefeito?Estamos dando um prêmio para o prefeito, em dinheiro, para o município, entregue pelo Presidente da República, pela proporção de famílias que vão tendo autonomia, saindo do programa. Quanto maior a proporção de famílias que deixam o programa, maior o repasse e mais valorizado será o prêmio.
O que o senhor acha do projeto do Senador Aécio Neves (PSDB-MG) de incluir o bolsa família no Benefício de Prestação Continuada?O Bolsa Família veio para ficar. É um programa que começou lá atrás, com bolsa-escola e vale-gás. Houve um esforço na década de 90, portanto antes de o Lula ser presidente, de se trabalhar contra a desigualdade de renda para diminuir a miséria. Para mim, o maior programa de combate à pobreza do Brasil não é o Bolsa Família, é a aposentadoria do trabalhador rural. Ele custa, hoje, em termos de transferência de renda, três vezes o Bolsa Família, ele é mais de R$ 100 bilhões. O Bolsa-Família, com o reajuste que a gente fez, está em torno de R$ 30 bilhões. Outro programa criado, já no governo FHC, em 1996, foi o Benefício de Prestação Continuada. Isso dá R$ 50 bilhões, quase o dobro, uns 60% a mais que o Bolsa Família.
Não foi o Bolsa Família que reduziu a pobreza?Ele não tira ninguém da miséria, mantém as pessoas em condição de comer. Os programas de transferência de renda, somados, dão R$ 180 bilhões. O Bolsa Família é a sexta parte disso.
16 de novembro de 2016
Denise Rothenburg e Paulo Silva Pinto
Correio Braziliense
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