Na noite da última quarta (2), a democrata Hillary Clinton propôs um “exercício” para o público de cerca de 15 mil pessoas que a ouviam no campus da Universidade Estadual do Arizona, nos arredores de Phoenix: “Imaginem que é 20 de janeiro, e que quem está sentado no Salão Oval é Donald Trump”. A candidata nem bem terminou a frase e foi respondida com um sonoro “não” da plateia. Ela, porém, continuou a projeção: “Imagine um presidente que rebaixe as mulheres, zombe dos deficientes, insulte os latinos, afroamericanos, muçulmanos, prisioneiros de guerra, que coloca as pessoas umas contra as outras, em vez de uni-las”. Discurso semelhante ela fez em sua escala anterior, horas antes, em Las Vegas.
No trajeto para a cidade de Nevada, a diretora de comunicação de Hillary, Jennifer Palmieri, já havia antecipado a jornalistas no avião o tom a ser adotado pela campanha nesta reta final: “O fato é que a escolha que Donald Trump representa é bem sombria”. “Vocês precisam mostrar isso para os eleitores que estão indecisos”, completou.
PERDENDO ESPAÇO – O discurso do medo foi intensificado logo após uma pesquisa CNN/ORC que mostrou, na quarta, Hillary perdendo espaço para Trump justamente em Nevada e no Arizona, onde havia um empate técnico antes.
No comício em Tempe, no subúrbio de Phoenix, o cenário desenhado por Hillary foi ainda mais assustador para os latinos, que representam 21% dos eleitores do Estado.
“Imagine um presidente que tem prometido ter uma grande máquina de deportação, para acuar milhões de imigrantes e expulsá-los, sabendo que famílias vão ser divididas, mas que também a nossa economia vai ser afetada”, disse, prevendo que Trump enviaria agentes “de casa em casa, escola em escola, comércio em comércio” atrás dos imigrantes.
Ela repetiu seu argumento sobre a falta de qualificação do candidato republicano: um homem que não respeita as mulheres e que não tem temperamento para ser comandante das Forças Armadas.
MUDANÇA DE RUMO – A tática destoa do comportamento anterior de Hillary, que, até há pouco mais de um mês se gabava de fazer uma “campanha baseada em ideias, não em insultos”. “Uma campanha com foco um unir as pessoas e resolver seus problemas num espírito de respeito mútuo”, disse a democrata num comício em San Francisco em outubro.
Contudo, sua campanha percebeu que, para derrotar Trump, o discurso positivo não bastaria. “Hillary intensificou esses ataques em parte porque essa é uma vulnerabilidade real de Trump, mas também por ser uma resposta ao esforço do rival de criminalizar sua imagem diante dos eleitores”, diz Julian Zelizer, historiador da Universidade de Princeton, referindo-se ao caso da investigação do FBI sobre o uso, pela democrata, de seu e-mail particular quando era secretária de Estado.
Para Zelizer, o novo tom pode ser “muito efetivo” na última semana antes da eleição. “Como Trump mostrou, o negativo também funciona.”
TÁTICA DESESPERADA – Há quem avalie, porém, como uma tática “desesperada”. “O fim negativo de Hillary para a campanha não vai persuadir os eleitores indecisos a escolhê-la ao invés de Trump. Ou seja, é improvável que ela ganhe novos eleitores assim até o dia de eleição”, avalia o especialista Patrick Basham, do Democracy Institute, de Washington.
Basham, no entanto, diz acreditar que a estratégia pode surtir efeito entre os democratas. “Ela está lembrando os eleitores democratas por que eles não gostam de Trump. A ideia é assustá-los, para que compareçam às urnas.”
Entre o público que foi ao comício em Tempe, parece que a mensagem surtiu efeito. “Eu não acredito que Hillary seja a melhor opção, mas ela não discrimina as pessoas com base na raça”, disse a estudante Cintia Montes, filha de mexicanos que vivem há mais de 20 anos nos EUA.
05 de novembro de 2016
Isabel Fleck
Folha
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