"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 26 de julho de 2016

TODOS CONTRA DILMA, MENOS LEWANDOWSKI


De José Nêumanne, no Estadão, comentando as estranhezas da República pós-Lula:

“Dilma aceita trâmite célere no Senado” – eis o título do texto de Fábio Fabrini e Gustavo Aguiar que ocupa o alto da pág. A11 do Estadão deste domingo, 17 de julho de 2016. A última notícia que eu tinha lido até então sobre a “celeridade” do julgamento do afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência da República dava conta de que o juiz supremo do processo, Ricardo Lewandowski, havia determinado que a votação em que dois terços do plenário do Senado poderão manter Michel Temer na chefia do governo federal até dezembro de 2017 não poderá ser realizada enquanto se disputar a Olimpíada no Rio de Janeiro.

Não conheço dispositivo constitucional ou da lei de 66 anos que preveja a jabuticaba amarga e podre decretada por Sua Excelência. Algo do gênero: “O julgamento de um presidente eleito pelo povo não pode coincidir com a realização de uma Olimpíada no País”. Lembro-me, sim, de que o diretor-geral do comitê organizador dos Jogos, Sidney Levi, disse que pediu a Temer para evitar essa coincidência, pois ela geraria uma “distração” maléfica na Nação. O que distrai quem, cara-pálida? Disse ele que o Comitê Olímpico Internacional (COI) também tem tal preocupação. Ou seja, nem Temer nem Dilma. Durante a Olimpíada do Rio, o governo será do COI? Santo Deus! Ao ler interferência de tal jaez nos negócios republicanos por um figurão que não pertence ao Legislativo, ao Executivo nem ao Judiciário, ocorreu-me concordar com ele num ponto: por que não reunir o Senado para julgar Dilma antes de se abrir o torneio?

Ficou, pois, sacramentado em minha ingênua cabeçorra que o julgamento estava previsto para 26 de agosto. Agora não mais, conforme a notícia do Estadão segundo a qual José Eduardo Martins Cardozo, procastinador-geral da República, concorda em fazer um acordo com a acusação para reduzir o total de testemunhas de defesa – que seriam mais 25 –, desde que a acusação aceitasse também fazê-lo. Acontece, segundo os repórteres, que todos os 81 senadores poderão inquirir as 50 testemunhas, o que adiaria a realização do julgamento para as calendas gregas. Ou melhor: para depois de 10 de novembro, quando se encerra o prazo para o Senado julgar. E, então, embora o processo continue, Dilma voltaria à Presidência.

Há algo mais preocupante na reportagem: “A equipe do ministro (leia-se Lewandowski) estuda o impeachment desde abril e está familiarizada com o processo. Em 10 de setembro, ele será substituído no processo pela ministra Cármen Lúcia. A transição poderia implicar algum atraso no processo ou mesmo mudanças no entendimento sobre a forma de conduzi-lo”. Ou seja: Lewandowski quer postergar a posse da vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em seu lugar, a menos que ela aceite manter seu modus faciendi? Ou cogita ser mantido comandando o impeachment, mesmo com a sucessora presidindo o STF? Tenho razão ou estarei vendo chifre em cabeça de cavalo?

Antes de dirimir essa dúvida, caro leitor, reflita sobre qual seria o jeito de tocar o impeachment de Sua Excelência Mais Que Excelentíssima. Digamos que o presidente do Supremo esteja seguindo rigorosamente o precedente Collor, como ele e seus colegas de colegiado garantem. O impeachment de Collor foi aberto pela Câmara em 29 de setembro de 1992. E seu afastamento, decretado em 29 de dezembro, 91 dias depois. A saída de Collor era apoiada por praticamente toda a população – à diferença da atual. E foi o presidente do STF à época, Sydney Sanches, quem recusou na sessão de julgamento a renúncia do atual senador alagoano, considerando-a oportunista, pois seria apenas um jeitinho malandro para livrá-lo da inelegibilidade por oito anos depois do afastamento definitivo.

O impeachment de Dilma foi aberto por decisão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Câmara, em 3 de dezembro de 2015. Se a votação final fosse mesmo (pelo visto, sê-lo-á muito depois) feita em 26 de agosto, ter-se-ão passado quase nove meses, uma gestação normal, ou seja, o triplo dos três meses e um dia do caso anterior. Terão sido 266 dias, mais do que três vezes os 91 dias do suplício do carcará sanguinolento.

Neste ínterim, o STF já desautorizou o rito do processo na Câmara, invadindo prerrogativa evidente de outro Poder republicano, pretensamente para adotar o precedente Collor. Autocraticamente, o presidente da Corte autorizou a convocação de 40 (!) testemunhas de defesa e atropelou decisão da Comissão Processante do Senado, atendendo ao defensor da presidente afastada, ao mandar fazer uma perícia por três técnicos da Casa de outra, feita anteriormente por 50 (!) peritos do Tribunal de Contas da União. Quando o garboso Cardozo exigiu que tal equipe fosse trocada, o presidente da Comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), e seu relator, Antonio Anastasia (PSDB-MG), na certa para evitar mais delongas com provável decisão favorável do Supremíssimo Juiz dos Juízes, atendeu à demanda. Só falta agora Lewandowski adiar a posse de Cármen Lúcia ou manter, mesmo com ela empossada no lugar dele, no comando do impeachment, não por merecimento, e sim por antiguidade.

Acompanhei pessoalmente as sessões da CPI do PC Farias, que levou ao impedimento de Collor, e ao processo propriamente dito, e escrevi um livro a respeito – A República na Lama, Geração Editorial, São Paulo, 1992. Testemunho que a Constituição foi seguida à risca naquele processo. E Sydney Sanches em momento nenhum exorbitou de sua função de presidente da sessão final no Senado. Prefiro deixar ao julgamento do leitor se, de fato, a atuação do atual presidente por mais 50 e poucos dias do STF de fato segue à risca a Constituição, a Lei do Impeachment e os regimentos internos da Câmara e do Senado. E não me digam os senadores que não foram avisados da hipótese de postergação sem troca de chefia, insinuada na reportagem do Estadão de domingo, aqui citada.

De fato, o caso Collor não é igual ao caso Dilma. A rejeição dele era quase unânime. A dela não é. Mas pode ser medida. Na Comissão de Impeachment da Câmara dos Deputados, o afastamento dela foi aprovado por 38 a 27 votos. No plenário a decisão foi tomada por mais de dois terços de 513 deputados (342): 367 a favor, 137 contra, 4 abstenções e 2 ausências. Na Comissão de Processamento do Senado, o sim teve 16 votos contra 5. Eram necessários 14. No plenário, a autorização de processar foi dada por 55 senadores contra 22, seis menos do necessário para impedi-la. Na eleição para presidente da Câmara, na semana passada, os três candidatos contra o impeachment – Marcelo Castro (PMDB-PI), Luiza Erundina (PSOL-SP) e Orlando Silva (PCdoB-SP)– tiveram 108 votos no primeiro turno: 21%, um quinto. Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Rogério Rosso (PSD-DF), da base de Temer, 455 (66%). Alguns eram do PT, do PDT e do PCdoB. E daí? Seriam suficientes para mudar o resultado?

Se Dilma tivesse humildade e o PT, juízo, as manchetes de dois dos maiores jornais brasileiros no domingo 17 de julho os fariam capitular. Segundo o Estadão “nos últimos meses, o real se valorizou mais de 20% e a Bovespa acumulou ganho de 28%, com perspectiva de manutenção da alta. Uma das medidas mais usadas para medir o risco de inadimplência, a taxa de CDS, caiu quase à metade do fim do ano passado para cá. Como consequência, fundos de investimento já avaliam a possibilidade de desembolsar cerca de US$ 50 bilhões no País, neste ano e no próximo”.

Pesquisa Datafolha constatou que 50% dos brasileiros preferem que Temer fique e 32% (menos de um terço, 33,33…%), que Dilma volte. Será mais do que Collor tinha em 1992? Sem dúvida. Mas é imperioso que Dilma tenha menos apoio do que Collor para ser mantida com mais seis votos no Senado ou com sua permanência antes do 181º dia sem a sentença que a defenestre definitivamente? E se o povo virar, se ela propuser eleição direta para presidente agora? Lula pede, o PT também. Mas, e o povo? Se o Datafolha estiver correto, 3%. Que tal?

Mas, e se Lewandowski conseguir afastar Cármen Lúcia do comando do julgamento do processo e autorizar o insaciável Cardozão a convocar tantas testemunhas quantas necessárias para Dilma ser reempossada na primeira quinzena de novembro? De quem nosso Primeiro Magistrado conseguirá apoio, caso queira mesmo impor mais essa vontade pessoal suprema, ao custo de quebradeira generalizada de empresas, mais milhões de desempregados e menos US$ 50 bilhões em investimentos estrangeiros no País? Vade retro!



26 de julho de 2016

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