"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A JUSTIÇA E OS NOVOS PARADIGMAS





Na Inglaterra, em 1215, a revolta dos súditos contra as injustiças cometidas pelo autoritário rei João Sem-Terra, determinaria a aprovação da Carta Magna. Há 800 anos, a coroa inglesa era obrigada a respeitar os fundamentos da legalidade jurídica. Nela a “rule of law” representava o respeito aos princípios da justiça no julgamento dos súditos. Constitucionalmente, pelos séculos, fixou o fundamento legal para a consolidação do Estado Democrático de Direito. O império da lei é o coração da “rule of law”.

Essas reflexões nasceram da leitura de um recente manifesto de dezenas de advogados brasileiros acusando a Operação Lava Jato de supressão de direitos e garantias constitucionais. Visão jurídica da velha escola de criminalistas, profissionais de manobras protelatórias objetivando, através recursos recorrentes, o alongamento dos prazos processuais para alcançar o nirvana da prescrição.

É um conflito que veio para ficar no mundo jurídico nacional. De um lado, o fim da impunidade de delinquentes poderosos, e do outro, o tradicionalismo da inflação de recursos postergatórios. Sua origem está nos avanços modernizadores do direito internacional no mundo globalizado. O Brasil, com a assinatura de vários tratados internacionais, nos últimos anos, passou a ser parte integrante dessa modernidade jurídica. Daí a reação nacional contra o manifesto. O advogado paulista Antonio Carlos Ferreira é objetivo: “O manifesto ensejará um desastre à classe dos advogados perante a população. Aqui não é o advogado que fala, mas o brasileiro farto de tantas mediocridades. Eles não representam a classe dos advogados. A argumentação é falha, pois falta com a verdade”.

Pensamento que encontra eco no notável jurista Sobral Pinto quando definiu que o primeiro dever do advogado é ser juiz da causa que deve patrocinar. Sentenciando: “A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante da sua consciência pelo patrocínio de uma causa. O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço não só dos interesses da Justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar aquelas partes que o procuram a que não discuta aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão”.

No Brasil, setores da Justiça Federal, Ministério Público Federal e Polícia Federal (encarnando um FBI tropical) estão escrevendo um tempo novo: a lei é igual para todos. Estão sendo atropeladas as “chicanas” do penalismo tradicionalista, tão bem oficializado naquele manifesto. Ao invés disso deveriam aprender o ensinamento do saudoso Sobral Pinto. Estariam se atualizando e constatando que a advocacia “porta de mansão” em todo o mundo globalizado vai se transformando neste retrato do passado. As legislações penais e a mentalidade no mundo desenvolvido estão mudando para melhor.

Por exemplo, na revista “Veja” (edição 5-2-2016), o jornalista André Petry, constata: “No mundo globalizado, o direito anglo-saxônico – chamado common law – está em alta. As dez melhores faculdades de Direito do mundo, segundo o ranking da QS World University, são americanas, inglesas e australianas”. Felizmente a delação premiada está na legislação brasileira desde 1990 e foi regulamentada pela lei 12.850, de 2013. Como destaca André Petry: “A delação premiada – tanto na forma de confissão do crime quanto da delação de comparsas – prevalece no direito americano. Estima-se que, por lá, 90% dos processos são resolvidos na base da colaboração premiada”.

Exatamente o que a Operação Lava Jato faz. Anteriormente, outro avanço foi introduzido pelo então ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do Mensalão, com o chamado “domínio do fato”, existente no direito da Alemanha desde o século passado.

Felizmente, nesse cenário, a sociedade brasileira, equidistante das questões jurídicas, vem despertando intuitivamente no apoio crescente ao combate à corrupção pública e privada e dos casuísmos supostamente legais alimentados pelos chamados “advogados de peso”. É de grande valor histórico para o mundo jurídico nacional, principalmente para os Tribunais Superiores, a manifestação clara e direta da Associação dos Juízes Federais:


“Diante dessa nova realidade que começa a quebrar velhos paradigmas e transformar a percepção da sociedade sobre a punição dos corruptos, os juízes federais sempre defenderão a missão de julgar e distribuir justiça, sem ceder a qualquer tipo de intimidação ou pressão. Os juízes federais estarão vigilantes às ameaças às suas prerrogativas e vão acompanhar qualquer movimento que tenha o objetivo de desestabilizar ou atacar a missão constitucional da Justiça Federal”.



18 de fevereiro de 2016
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário