"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

REAÇÃO INTELIGENTE A ASSUNTOS CONHECIDOS



Um escritor admirava nas crianças a manifestação de surpresa diante do que já conhecem. Elas podem ouvir várias vezes a mesma história, e se manifestam como se a história fosse nova. Quando a criança vai tomando contato com as realidades, tudo é novo para ela, e as surpresas vão se sucedendo. Mais tarde passa a procurar explicações, e repete a propósito de quase tudo as perguntas iniciadas com por quê. Quando já conhece o assunto, o adulto prefere não deter-se nele, e passa a outro; mas pode perder muito com isso, pois sempre há um por quê a esclarecer.

Não é minha intenção explicar ao prezado leitor o motivo disso, como resposta a sua previsível pergunta iniciada com por quê. Simplesmente constato a diferença, mas pretendo aplicá-la a outro tipo de considerações. E passo logo a um exemplo, tendo em vista que uma imagem pode valer mais que mil palavras.

É bem conhecida a história da penicilina. No fim da década de 1920, Fleming fazia pesquisas com bactérias. Semeou-as em meio de cultura, e ausentou-se do laboratório por alguns dias. Quando voltou, a cultura estava contaminada por fungos (mofo). Poderia contentar-se com lamentar o tempo perdido e refazer o trabalho, mas a curiosidade – já não era a curiosidade da criança, mas a do cientista – levou-o a examinar o recipiente contaminado. Notou que as bactérias só não se multiplicaram (não cresceram) nos lugares onde havia fungo, mas cresceram no restante do recipiente. Por quê? A única resposta razoável é que alguma substância presente no fungo não deixou as bactérias crescerem. Houve muito trabalho daí até a produção e utilização médica da penicilina, mas o principal, decisivo, foi perguntar o motivo do crescimento e não crescimento das bactérias: por quê?

Inúmeras outras descobertas científicas, e do conhecimento humano em geral, surgiram desta simples pergunta: Por quê? Vamos a outro exemplo, bem conhecido por quem frequentou o curso secundário.

Um ourives produziu para o rei de Siracusa uma bela coroa, cerca de duzentos anos antes de Cristo, e cobrou como sendo ouro todo o peso da coroa. O rei suspeitou que ele havia misturado ao ouro outro metal mais barato, e o único meio conhecido para comprovar a fraude era fundir a coroa. Mas o rei não queria isso, pois gostara do trabalho de ourivesaria, e incumbiu o matemático Arquimedes de comprovar a fraude (você já ouviu falar em superfaturamento?), mas sem fundir a coroa.

O assunto passou a acompanhar Arquimedes por todo lado, inclusive nos banhos públicos. Ele já sabia que a sensação de peso do seu corpo diminuía quando flutuava na água, e naquele dia isso não lhe causava surpresa. Mas juntou uma coisa com a outra, levado pela preocupação daquele momento, perguntou por quê, e formulou o princípio famoso: Todo corpo mergulhado em um fluido perde do seu peso o peso do fluido que desloca. Fez os cálculos, e resolveu o problema do rei. Melhor ainda, deixou para a humanidade este princípio útil para muitas coisas.

Mesmo em áreas muito diferentes, como a Filosofia e a Teologia, é possível formular sólidos conhecimentos novos comparando-os com outros já firmados. Bom exemplo disso é o episódio de São Tomás de Aquino durante refeição na corte do rei São Luís IX. Convidado a participar da mesa do soberano francês, junto com seu Superior no convento e outras autoridades, ele permaneceu em silêncio, às voltas com seus porquês de alto nível teológico. De repente, sem nenhum aviso prévio, desferiu sobre a mesa um violento golpe com o punho fechado, e exclamou em latim: “Portanto, assim concluo contra os maniqueus!”. 
O Superior o advertiu em voz baixa, lembrando que estavam em presença do rei. Mas este, sempre atento à importância dos assuntos doutrinários, logo mandou chamar um escriba para anotar os resultados da elucubração de quem é considerado o mais santo dos sábios e o mais sábio dos santos.

Debruçar sobre assuntos já conhecidos, analisar aspectos novos, relacioná-los com outros, aplicar conhecimentos de algumas áreas a outras, eis alguns dos modos de progredir a ciência. Quase se poderia dizer que o cientista volta ao tempo de criança, pergunta por quêa propósito de tudo, a fim de abrir caminhos.

E como reagem os eruditos, quando descobrem algo novo?

Arquimedes saiu correndo daquela piscina em trajes de banho (ou seja, nenhum) e gritando: Eureca! Eureca! Na corte francesa, a reação eufórica de São Tomás moveu o rei santo a reagir com uma providência prática. Não sei como Fleming se manifestou após sua descoberta, mas historicamente a população inglesa foi compelida a reagir com sorrisos evasivos, fleumaticamente, diante de novidades sensacionais; ainda assim, só depois da certeza de que a polícia também gostou…

Poderíamos atribuir essas diferentes reações particulares a características raciais, de épocas, países, ciências, etc. Mas ressalto em todas elas o esforço intelectual de aplicar-se diligentemente sobre assuntos conhecidos e reconhecidos, para deles tirar conclusões ou aplicações novas. Assim progridem a ciência, a técnica, a filosofia, direcionando corretamente o desejo de saber mais.

Por quê? – Esta pergunta pode levar-nos muito longe.


31 e agosto de 2015
Jacinto Flecha

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