"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 9 de maio de 2015

O ÓBVIO ULULANTE, ALÉM DE OUTRAS DOENÇAS DE QUE PADECE O PAÍS

SAÚDE NO PAÍS PADECE DE MÁ GESTÃO (DE INGESTÃO, DE DIGESTÃO, DE CONVULSÃO E OUTROS MENOS VOTADOS...)


O mantra da insuficiência de recursos orçamentários contamina o debate sobre a crise do sistema de saúde do país. Reivindicações por mais verbas costumam levar a um poço sem fundo — ainda que atendidas, elas serão sempre crescentes. Isso vale não só para essa rubrica, mas para todo o espectro da administração pública (Educação, Transportes etc.). Sem dúvida, recursos são sempre bem-vindos — mas daí a traçar uma vinculação entre tamanho do caixa e eficiência gerencial vai uma distância medida em abundantes exemplos que contradizem tal relação.

O brasileiro pena numa rede pública em que a norma não é a eficiência. Ao contrário, a regra se faz na perpetuação do seu contrário, na forma de filas intermináveis nos hospitais e clínicas, mau atendimento, desaparelhamento e falta de material de trabalho para os profissionais, longos períodos de espera para conseguir uma simples consulta (o que só piora quando se trata de intervenções mais complicadas, como cirurgias, etc.). De fato, o artigo 196 da Constituição, que assegura o direito universal à saúde, é uma ficção. Mas o mantra está longe de justificar essa deletéria realidade. O que se precisa é discutir a falência dos órgãos do setor e buscar saídas no âmbito da gestão.

Num estudo publicado em 2013, a OMS, ao mesmo tempo em que reconhece avanços do país com a universalização, via SUS, do acesso à saúde, bate exatamente nesse ponto: falta mais eficiência ao sistema do que verbas. Ou seja, o acúmulo de demandas que atormentam quem depende do atendimento público tem mais a ver com desorganização, leniência e ineficiência do que com déficits orçamentários. O relatório sustenta que é possível fazer mais, e melhor, com os recursos disponíveis. Sem racionalização e otimização administrativa, o incremento de verbas não leva necessariamente a significativos impactos positivos na saúde pública.

Nesse sentido, é emblemático um quadro elaborado pelo Sistema de Informação do Câncer (Siscan), mostrando que estados com orçamentos mais modestos, como Maranhão, Bahia e Mato Grosso, cumprem integralmente a lei que determina o início do tratamento da doença na rede pública num prazo máximo de 60 dias. Em contraposição, aparecem, por exemplo, São Paulo (só cumpre em 43% dos casos), Rio de Janeiro (44%) e Rio Grande do Sul (40%). São dados de uma reportagem do GLOBO, do início da semana, sobre a longa espera de pacientes por um tratamento que, à sua falta, implica risco irreversível de morte.

A Saúde brasileira padece de má gestão. Iniciativas como a transferência do gerenciamento de órgãos da administração direta a organizações sociais também são evidências de que eficiência não se subordina a fluxo de caixa. Tais experiências sinalizam que há caminhos para superar demandas dentro da realidade orçamentária. O debate precisa se livrar da repetição do discurso do subfinanciamento e buscar, ao largo do reducionismo ideológico, saídas efetivas para a crise.



09 de maio de 2015
O Globo

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