Ainda causou considerável repercussão a entrevista em que Frei Betto confessou a este jornal sua tardia desilusão com o petismo.
O PT foi criado por acadêmicos de esquerda, católicos da Teologia da Libertação e “líderes sindicais”. Mas, pensando bem, o que tinha a nata dessa escola de oportunismo amoral e corrupção que sempre foi o sindicalismo atrelado ao Estado pela “teta” do imposto sindical de Getúlio Vargas a ver com os acadêmicos de esquerda e os teólogos da libertação de ha 35 anos, duas das expressões mais extremadas da exacerbação idealista e ideológica do século 20?
Essencialmente a ânsia de encontrar o “messias” capaz de levá-los à “terra prometida”. Lula pertencia à “classe” certa, foi pobre o bastante para passar pelo fundo da agulha da porta do paraíso e tinha o carisma que faltava aos acadêmicos e aos católicos de esquerda. Foi quanto bastou para que ambos projetassem nele intenções e crenças que jamais teve ou compartilhou. Ao intuitivo brilhante a quem a vaidade e o poder viriam a seduzir como a ninguém antes na história deste país, bastou seguir o script e deixar-se docemente constranger ao destino que lhe traçaram.
O que mais custou foi convencer o povo brasileiro, que tem mostrado sempre muito mais juízo que suas elites, que Lula e o PT eram mesmo tudo aquilo que os padres da “libertação” e as criaturas da academia diziam que eram. Mas ao fim e ao cabo conseguiram...
Agora, esgotadas as benesses e ajutórios com que foram soterradas todas as resistências à consolidação da “nova ordem”, a conta financeira da esbórnia é a mais leve com que nos defrontamos. Pesa muito mais a ameaça de descermos mais um degrau em direção ao “ralo argentino”, do qual não ha retorno, empurrados pela nova carga de drogas pesadas da farmacopeia populista que, uma vez instiladas nas veias da moral nacional, criam vícios e deformidades virtualmente inextirpáveis.
É um enredo que se tem repetido em nossa história republicana. A política brasileira vive se perdendo em função dos “amores intensos por o suposto em alguém” a que se tem entregue, em geral por endosso de terceiros. Getúlio Vargas jamais teria saltado diretamente das provincianas refregas da então longínqua fronteira de Bagé para o Palácio do Catete, assim como Fernando Collor de Mello das Alagoas para o Palácio do Planalto, se grupos poderosos de idealistas em desespero, movidos pela indignação com o descalabro em que andava mergulhada a política nacional naqueles momentos críticos, não tivessem, por falta de melhor, projetado neles atributos que nunca possuíram e empurrado essas “zebras” para o alto comando da Nação.
Frei Betto queixa-se, agora, de que tendo partido da promessa de lutar “contra tudo isso que está aí”, o PT aliou-se ao que ha de mais retrógrado na política, não fez “nenhuma das reformas de estrutura prometidas nos documentos do partido” (que Lula não escreveu), substituiu “programas de caráter emancipatório” (como o Fome Zero de autoria do próprio Frei Betto) pela criação em escala maciça de dependentes financeiros do governo como o Bolsa Família, “facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais (eletrodomésticos e quinquilharias) mas não aos bens sociais (educação, saneamento, empregos de qualidade)”, tudo para concluir que “o PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder”.
Mas a realidade dos fatos é bem mais prosaica. Todo o resto da esquerda católica e a melhor parte da acadêmica que antecipou o gesto do frade retardatário aceitou assim que as teve as sobradas provas oferecidas de que o seu particular “projeto de Brasil” nunca esteve nos horizontes do partido que, assim que lhe foi franqueada tal oportunidade, passou a moldar o país à imagem e à semelhança dos seus próceres – estes nomeados nas listas de Roberto Gurgel e de Rodrigo Janot – e que, se chegaram à condição de comandar o partido, é porque graduaram-se summa cum laude no recurso à corrupção e à violência física requeridas para se apropriar e manter a posse, num sistema de “eleições por aclamação”, de “sindicatos” usados como atalhos para o mundo da política criados por “líderes” sem liderados que com isso garantem acesso a dinheiro público pelo uso do qual estão legalmente dispensados de prestar contas para comprar mais e mais poder.
Qual a surpresa, portanto, que esse exato figurino se tenha reproduzido em escala nacional depois que o “PT que sobrou” ganhou escala nacional?
O lulopetismo é a criatura desse "trabalhismo" deformante do getulismo sem a revogação do qual este país não tem concerto. Qual será a criatura do lulopetismo se não quebrarmos essa corrente?
Só mesmo trocando de mãos o comando do processo político nacional. Indignação é saúde mas pouco pode fazer de prático. É hora de desamarrar o destino da Nação dos humores de indivíduos e passar à segurança dos processos institucionalizados de seleção de gestores e métodos de governança da coisa pública. É preciso pulverizar o poder; rearmar o jogo de modo a nos obrigarmos à segurança das construções coletivas. Deslocar a definição da pauta nacional das mãos dessas “elites” (“os lulas”, não "as dos lulas”) para as do conjunto dos que aqui trabalham e criam os seus filhos. É preciso tornar tão instável e dependente do esforço e do merecimento o emprego público quanto é o nosso. Sujeitar quem faz e quem sofre as regras às mesmas pressões e às mesmas necessidades. Submetê-los às mesmas leis que valem aqui fora e no resto do planeta.
É preciso dar ao eleitor o poder de “des-por”, pelo voto e a qualquer momento, sem o qual o de “por” não é mais que a dádiva dos otários.
Sob o silêncio de uma oposição que parece não ter nada a propor, o país vai sendo empurrado, mais uma vez sem pauta, para a “reforma política” do PT que é aquela de um Brasil “com filtro” que, desde 2003, entra e sai de cena como o “Plano Nacional de Direitos Humanos”, o “plebiscito da Dilma”, o Decreto 8.243...
Basta! O povo no poder! Vá pra rua com a placa: (Voto distrital com) Recall, já!
11 de abril de 2015
vespeiro
Artigo para O Estado de S. Paulo
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