"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 3 de março de 2015

PODER DIÁFANO

Deterioração do poder da presidente Dilma Rousseff se reflete na sutil coreografia do programa televisivo apresentado pelo PMDB

Com sua popularidade corroída, não apenas por causa dos escândalos na Petrobras, mas também devido aos sinais negativos na economia, a presidente Dilma Rousseff (PT) parece ter optado pela estratégia menos arriscada --que é, igualmente, a menos produtiva.

Praticamente desaparece de cena. Entrega a seu ministro da Fazenda o peso maior da responsabilidade pelos duríssimos ajustes em curso. Quanto à responsabilidade pelas negociatas na estatal petrolífera, Dilma a joga, de modo patético, sobre o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Enquanto isso, assiste, sem reação coerente ou iniciativa clara, a uma sequência de derrotas no Legislativo, que não parece nem perto de interromper a investida.

A atitude produz a sensação de vazio de poder no centro do Executivo; sintoma disso, e nada banal, foi o programa televisivo apresentado pelo PMDB na quinta-feira (26). Era possível identificar nas entrelinhas duas vertentes de significado na bem cuidada apresentação.

"Bem cuidada" porque soube realizar proezas de fotogenia ao enfocar, de modo quase exclusivo, o rosto impávido, o olhar supostamente franco, o sorriso bem dosado dos personagens chamados a depor no horário obrigatório.

Começando pelo vice-presidente da República, Michel Temer, seguiram-se figuras que ocupam cargos ministeriais, além do atual presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ).

As alocuções se caracterizaram por um ponto comum e por um subtexto contraditório com o que era apresentado à primeira vista.

Houve, inicialmente, preocupação em demonstrar fidelidade ao processo democrático e a Dilma Rousseff. Repetiu-se a ideia de que escolhas foram feitas, cabendo agora ao PMDB pôr em prática seus planos para a pesca, o turismo, a energia ou a agricultura.

Mas o envoltório governista dessa entrada em cena (e não por acaso o cenário do programa imitava um palco de teatro) admitia espaço para interpretações diversas.

O nome da presidente da República jamais foi pronunciado no programa. Mais que isso, Temer e seus correligionários assumiam a atitude de quem se sente no comando do Estado; uma tomada de posse televisiva, por assim dizer, ainda que só nos quadros relativamente modestos dos ministérios.

Consequência natural, e indisfarçável nos sintomas visuais e cênicos do programa, da retirada de protagonismo a que se vem conformando a presidente Dilma Rousseff. Assiste-se à coreografia: o PMDB a desenvolve habilmente, enquanto o Planalto parece, cada vez mais, inseguro do terreno.

03 de março de 2015
Editorial Folha de SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário