"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

A STASI E O TERRORISMO

 

 
A República Democrática Alemã (RDA) foi colocada pelos historiadores, durante o período de Guerra-Fria, entre os Estados que mais ativamente patrocinaram o terrorismo. A abertura dos arquivos do Ministério do Interior de Segurança do Estado mostrou que o HvA, de fato, colaborou com diversas organizações, bem como apoiou grupos revolucionários envolvidos com o terrorismo.
 
Markus Johannes Wolf (“Misha”), o denominado “Homem sem Rosto”, que por 33 anos foi o chefe do setor de Informações Exteriores do Ministério, evidentemente sabia de tudo. Sabia dos muitos vínculos que a RDA tinha com organizações terroristas do Ocidente.
 
O fato é que está mais do que comprovado que a RDA e seus Serviços de Informações deram apoio técnico, financeiro e treinamento a organizações engajadas no terrorismo contra governos e instituições civis como parte de suas estratégias.
 
Frente Patriótica Manuel Rodriguez, do Chile, foi um dos grupos terroristas que receberam treinamento na RDA e em Cuba. Além do mais, a RDA também protegeu terroristas que escaparam da RFA, como os do grupo Baader Meinhof. Sobre isso, Markus Wolf, cinicamente, escreveu que a RDA tolerava as organizações de libertação nacional que empregavam o terrorismo.
 
Como poderíamos saber com certeza que o que oferecíamos poderia ser usado de maneira que desaprovássemos?” Ora, o general Markus Wolf deveria saber que a luta terrorista para derrubar governos constituídos não era um pic-nic e que a aprovação estava implícita no próprio treinamento.
 
Markus Wolf, em seu livro “O Homem sem Rosto”, editora Record, 1997, escreveu sobre isso. Reconheceu que o que seu país tenha feito de errado “equivalia ao que o Ocidente fez na batalha contra o comunismo”, e que “era assim que a guerra era travada em algumas frentes”.
 
Reconheceu também que a dignidade e a liberdade humanas em alguns regimes são restringidas em conseqüência de uma política excessivamente zelosa de segurança do Estado, bem como o uso sistemático de torturas para punir adversários. “E isso aconteceu na RDA”, completa.
 
O fato é que ao final dos anos 70 o Ministério e o Departamento chefiado por Markus Wolf estiveram envolvidos em inúmeras alianças com forças estrangeiras que utilizavam o terror como forma de luta, como a Al-Fatah da OLP, o terrorista autônomo e assassino venezuelano Ilich Ramirez Sanchez (“Carlos, o Chacal”), os chilenos da Frente Patriótica Manuel Rodriguez, o grupo terrorista alemão ocidental Fração do Exército Vermelho (“Baader Meinhof”), George Habash chefe da radical Frente Popular pela Libertação da Palestina (que mantinha um apartamento em Dresden e sua filha estudava em uma Universidade na então Alemanha Oriental), Abu Nidal (os militantes de seu grupo receberam treinamento em técnicas de lançamento de mísseis) e outros. Além do treinamento a grupos terroristas, o Serviço mantinha contatos com a Eta-Basca e o Exército Republicano Irlandês (IRA). Esses contatos eram conhecidos por um reduzidíssimo número de funcionários.
 
Além de oferecer treinamento na RDA, o Serviço também deu assistência a membros da Fração do Exército Vermelho que haviam buscado refúgio no país. Alguns deles receberam novas identidades e documentos com novas vidas fornecidos pelo Ministério de Segurança do Estado, entre os quais Susanna Albrecht, acusada de conduzir um grupo de extermínio até à casa de um amigo de seu pai, Jürgen Ponto, diretor-executivo do Dresdner Bank; e Christian Klar e Silke Maier-Witt, envolvidos no seqüestro e assassinato de Hans-Martin Schleyer, presidente da Associação dos Industriais Alemães.
 
Três outros integrantes da Fração – Inge Viett, Regina Nicolai e Ingrid Siepmann - também foram acolhidos pela RDA procedentes da Checoslováquia, para onde haviam fugido. Cada um desses terroristas recebeu uma história de fachada para justificar suas presenças na RDA.
Além de tudo isso, seções de treinamento também ocorriam na RDA para ex-membros da Fração ainda vivendo no Ocidente. Em 1981 e 1982 um grupo foi treinado em disparar armas pesadas contra o assento de passageiros de um automóvel Mercedes, bem como instruídos de como se livrarem dos destroços.
 
Guerrilheiros do Congresso Nacional Africano (CNA), a partir de meados dos anos 70 em diante, também receberam treinamento na RDA e, sobre isso, nunca ocorreu qualquer vazamento para o exterior. Os contatos eram feitos entre Joe Slovo, líder do Partido Comunista Sul-Africano e o Comitê Central do Partido Comunista da RDA. 
 
“Carlos, o Chacal”, esteve por várias vezes na RDA. A primeira vez em 1979 através de ligações feitas pelo Iêmen do Sul, portando um passaporte diplomático sírio. Ele havia reservado uma suíte no Palast Hotel. Nos relatórios dos agentes da Stasi ele aparecia como um fanfarrão, um burguês mimado que virou terrorista e que violava todas as regras básicas de discrição, pondo em risco todos os que trabalhavam com ele. Postava-se no bar do hotel até tarde da noite, bebendo copiosamente e paquerando as mulheres, com uma pistola pendurada na cintura. Essas informações eram reportadas ao Serviço pelas prostitutas.
 
O Serviço tolerava a presença de estrangeiros envolvidos em atividades terroristas na esperança de poder usá-los mais tarde em “casos graves” – um eufemismo para a guerra total às nações que compunham a OTAN.
 
Apesar das promessas feitas pela OLP e outros grupos, pelo menos dois ataques terroristas foram desfechados a partir do território da RDA: o atentado à bomba ao Consulado da França em Berlim Ocidental, em 1983, e o atentado à discoteca La Belle, ponto de encontro de militares norte-americanos, também em Berlim Ocidental.
 
Nesse atentado perderam a vida dois soldados norte-americanos e uma mulher, ferindo 150 pessoas. Os EUA alegaram que o atentado fora orquestrado na embaixada da Líbia em Berlim Ocidental e a CIA alegou também que o Serviço da RDA sabia de antemão dos preparativos para o ataque.
De fato, um relatório do controle de fronteira de Neiber reportava que os diplomatas líbios haviam entrado na RDA com explosivos em sua bagagem. Suas identidades bem como ligações com terroristas eram bem conhecidas. Isso levou a nada menos que o presidente Reagan anunciasse que os EUA tinham provas cabais do envolvimento líbio.
 
Por que? O principal organizador do atentado, de nome Chreidi, viajara com facilidade entre as duas Berlim durante um período de intensificação das medidas de segurança no Checkpoint Charlie. Todavia, fontes da OLP, citadas em documentos encontrados no Serviço após a queda do Muro de Berlim relatavam que Chreidi não era apenas um terrorista líbio, mas de fato um agente a soldo dos EUA. Dez dias após o seu pronunciamento, o presidente Reagan autorizou um ataque maciço à Líbia.
 
Também um grupo de militantes do Partido dos Trabalhadores do Brasil recebia treinamento político ideológico na RDA, em novembro de 1989, quando caiu o Muro, tendo retornado apressadamente ao Brasil sem concluir o curso.
Após o chamado Massacre de Munique, em 1972, realizado pelo Setembro Negro, a RDA decidiu oferecer um status semi-diplomático à Al-Fatah. Logo em seguida os guerrilheiros palestinos foram convidados aos acampamentos secretos na região rural da RDA para treinamento militar (uso de armas, explosivos e táticas de guerrilha).
 
Um treinamento de rotina para grupos de libertação nacional”, segundo escreveu Markus Wolf. Esse treinamento era supervisionado por dois Departamentos do Ministério, responsáveis por tarefas militares e treinamento: o HÁ-II (Contra-Espionagem) e o AGM (Grupo de Trabalho do Ministro), bem como pelo Departamento chefiado por Markus Wolf, o HvA. Para visitantes palestinos, os Oficiais do HvA ministravam regularmente palestras sobre coleta de informações, codificação e decodificação, bem como transmitiam suas experiências em técnicas de contra-espionagem.
 
A maioria dos terroristas árabes que estavam ocultos na RDA cruzava a fronteira sob cobertura diplomática árabe.
 
Segundo Markus Wolf, “em troca da nossa ajuda e treinamento, esperávamos ganhar acesso às informações da OLP sobre segurança, estratégia global e armamento dos EUA” (sic). É verdade que os contatos com a OLP também facilitaram as operações dos agentes do Serviço em Damasco e Aden.
 
É verdade que após a reunificação da Alemanha, em todos os arquivos abertos por uma zelosa equipe de promotores da RFA, não foram encontradas provas da cumplicidade de Markus Wolf com o terrorismo. Ele apenas sabia, mas não fez nada... Escreveu em seu livro que “os Serviços eram compartimentados” e que “nossa cooperação com a OLP de Arafat e outros grupos semelhantes fazia parte de uma complexa manobra política pela qual eu era pessoalmente responsável, e sei disso. Era uma colaboração a serviço de nossa liderança política, e éramos tão politicamente motivados nessa implementação quanto nas missões do passado no Terceiro Mundo”.
 
NotaAlém de apoiar o terror internacional, a STASI também se notabilizou por fornecer assessoria para a polícia secreta de várias ditaduras comunistas pró-soviéticas, como o governo do MPLA em Angola, o regime genocida de Mangistú Marian na Etiópia e os sandinistas na Nicarágua, entre outros.
 
28 de fevereiro de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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