"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

EX-SECRETÁRIO DO TESOURO FALA SOBRE O FARDO DA DÍVIDA PÚBLICA




A construção do Real leva a assinatura de funcionários de carreira, conhecedores dos meandros da administração pública e das leis.
Um deles é Murilo Portugal, carioca que chegou a Brasília em 1969. Como técnico do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ocupou vários cargos até assumir a Secretaria do Tesouro no governo de Itamar Franco, em 1992.

Quando Fernando Henrique se tornou ministro da Fazenda, Portugal foi mantido no cargo. E participou do planejamento e da implantação do plano de estabilização.
Ele guarda boas lembranças do período, mas conta que foi uma época das mais difíceis de sua vida, pelas jornadas de até 14 horas de trabalho e pela tensão das negociações.

Essa toada resultou em problemas de saúde, que levaram Portugal a deixar o cargo em 1996. Foi para os Estados Unidos, onde ficou por 13 anos.
Hoje, como presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), enfrenta, nos tribunais, o fracasso dos planos anteriores ao Real.

Como era ser secretário do Tesouro antes do Plano Real?
A gestão do fluxo de caixa era muito complicada e a dívida pública tinha um perfil ruim em função da inflação que, além de alta, era crescente.
Isso acabou levando a um atrelamento da dívida a índices de preços ou à taxa Selic, além do encurtamento de prazo. Nós conseguíamos colocar títulos com vencimento em sete e em 14 dias — esse era o máximo.
Todo ano, o estoque inteiro era rolado três vezes. Hoje, são cerca de 20% por ano. As dificuldades eram agravadas pelo fato de que, como estavam suspensos os pagamentos da dívida externa, o Brasil não tinha acesso ao mercado internacional. Nós tínhamos que pagar juros mais altos.

Na gestão do caixa, o que dificultava?
Era difícil fazer estimativas. As despesas eram nominais e um modo de gerir o caixa era atrasar os pagamentos.
Os próprios fornecedores já sabiam disso e acabavam colocando um sobrepreço. A institucionalidade fiscal era muito frágil. As greves, frequentes. Mas, apesar de todas as dificuldades, conseguimos fazer um superavit primário em 1994 de mais de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) com um controle de caixa muito rígido e a criação de impostos.
Na época do Real, foi criado o IPMF (Imposto Provisório sobre as Movimentações Financeiras), que durou só um ano.

Havia riscos?
Muitos. Houve um período de seis a oito meses de preparação do Real. Nos primeiros dois ou três fins de semana, nós viemos para São Paulo e fizemos um plano de curto prazo só  para melhorar as finanças públicas.
Depois, começaram as reuniões de preparação em Brasília, às terças-feiras. O Clóvis Carvalho (então secretário executivo da Fazenda), implantou uma disciplina do setor privado, de onde ele veio.
Quem chegava atrasado pagava uma multa, já em URV. A cada 15 minutos, era uma URV (unidade real de valor). Cada um recebia uma missão para a próxima reunião: minuta de decreto, minuta de medida provisória. E as coisas foram começando a acontecer.

Quais eram os temores?
Um grande medo que nós tínhamos era a própria URV. Aquilo foi uma tentativa, bolada pelo Gustavo Franco, de recontratação para a inflação baixa, acabando com a inflação inercial. Delfim Netto, quando era ministro, tentou fazer com a prefixação da inflação e do câmbio. Não funcionou.
Nos outros planos, isso foi feito com a mudança do índice (de correção monetária), que é o tema que a gente está discutindo agora (pelas ações de poupadores contra bancos). Também não funcionou.
Nós vimos essas experiências passadas, tentando evitar os problemas. Mas havia o medo de que a URV, com reajuste diário, porque era ligada ao dólar, eventualmente criasse um gatilho, explodisse, e a gente acabasse tendo inflação em URV.

Por que não aconteceu?
Várias coisas ajudaram. A situação internacional em 1992 e 1993 era positiva, com a economia internacional se expandindo. Algumas realizações do governo Collor ajudaram, como a acumulação de reservas internacionais.
Quando ele entrou, as reservas estavam praticamente a zero, havia algo como US$ 7 bilhões. O Arminio Fraga era o diretor da Área Externa do BC, acumulou cerca de US$ 20 bilhões, o que, naquela época, era um dinheirão.

07 de julho de 2014
Paulo Silva Pinto
Correio Braziliense

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