"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O IMPÉRIO DAS MENTIRAS - PARTE I

Artigos - Globalismo 
Como sempre ensinou a literatura estratégica soviética, a preparação mais importante é a preparação psicológica da população.
A invasão russa à Crimeia não foi o primeiro caso da Rússia tomando um pedaço da Ucrânia.

Recentemente entrevistei três pessoas diferentes que falaram respectivamente sobre a luta pela liberdade na Ucrânia, na Venezuela e na Romênia. Do escritor e analista político Sammy Eppel, aprendi como os comunistas estão lidando com as poderosas forças de oposição na Venezuela. Também conversei novamente com o ativista ucraniano Boris Chykulay, que me passou uma atualização dos eventos na Ucrânia e ofereceu uma análise da situação. E também entrevistei Anca Marie Cernea, que foi bondosa o bastante para explicar a crise ucraniana desde um ponto de vista romeno. A Romênia, por sinal, é um país que mesmo nos dias de hoje luta para romper seus velhos grilhões comunistas.
 
Mas primeiro, antes de oferecer trechos escolhidos dessas entrevistas, gostaria de tocar em outro assunto: a propaganda anti-ucraniana e anti-americana perpetrada pela mídia russa. A enxurrada de mentiras transmitidas pelos meios de comunicação russos estão além de qualquer coisa vista nos últimos anos.
 
Os telespectadores russos estão expostos a um bombardeio alucinante de distorções que visam preparar o país para a guerra. Como dito recentemente em um artigo no site Economist.com, “os russos estão expostos a uma intensa, agressiva e grosseira campanha de desinformação a qual eles são bombardeados com imagens de violência, caos e fascismo na Ucrânia, sinistras maquinações dos países ocidentais e amostras da força e nobreza russas como a única resposta possível a tudo isso”. Desde que essas palavras foram escritas, as transmissões russas desse tipo aumentaram na frequência e na grosseria. Vale a pena lembrar também como o czar midiático do Kremlin, Dmitry Kiselyov, disse em transmissão do Canal 1 sobre porquê o cabelo do Presidente Obama se tornaria cinza após conversar por telefone com o Presidente Putin. “A Rússia é o único país no mundo que pode verdadeiramente transformar os EUA em pó radioativo”, disse Kiselyov. Essa arrogância casou com as astutas alusões à fraqueza de Obama e de fato sugere que a intenção russa é invadir o leste da Ucrânia. Por qual outro motivo seria veiculado na TV russa um acinte desses? A necessidade de apoio público em qualquer confronto militar está bem claro às mentes do Kremlin e é de total apreciação dos generais russos.
 
Como sempre ensinou a literatura estratégica soviética, a preparação mais importante é a preparação psicológica da população. No capítulo 7 do clássico Estratégia Militar Soviética, do Almirante V. D. Sokolovskii, lê-se que “a vitória na guerra é assaz impensável sem uma total e oportuna preparação do país e das forças armadas”. Mais adiante é dito no texto que “a preparação política e moral do povo é de suma importância [...] dado que o uso de armas de destruição em massa impõe demandas políticas e morais excepcionalmente altas e sem precedentes no seio da população”. Portanto, não é preciso nem dizer o quão necessário é ensinar ao povo o “amor pela pátria-mãe”. Simultaneamente, também deve-se culpar os Estados Unidos por colaborar com a destruição da Rússia. Como explica o texto de Estratégia Militar Soviética, “O ódio pelo inimigo deve incitar o desejo de destruir as forças armadas e o potencial militar-industrial do agressor e conquistar a vitória total em uma guerra justa”.
 
Considerando as crescentes tensões no Leste Europeu, pedi à escritora romena e analista, Anca Maria Cernea, que comentasse as manobras estratégicas russas ao longo da região que compreende as fronteiras romena-ucranianas e logo em seguida perguntei se os romenos temem a Rússia. Em resposta ela descreveu a posição russa na Transnístria, que é “majoritariamente habitada por pessoas de etnia russa e extremamente militarizada”. Acrescentou Cernea que “A 14ª divisão do Exército russo está estabelecida lá, embora já faz duas décadas que o governo russo vem repetidamente prometendo sair de lá. A Transnístria é uma espécie de enclave controlado pelos russos, um para-Estado que segue o mesmo padrão da Abecásia [em relação à Geórgia], Ossétia do Sul e Nagorno-Karabakh”. Cernea enfatiza o fato de que “esses mecanismos já estavam em funcionamento muito antes de Putin ascender ao poder na Rússia. Além disso, provocações na Transnístria causaram a morte de centenas na década de 1990”.
 
O fato de a Transnístria ter sido historicamente território ucraniano não causou o mínimo constrangimento para Moscou e tampouco a OTAN exigiu uma explicação da contínua presença militar russa naquela área. Com efeito, a invasão russa à Crimeia não foi o primeiro caso da Rússia tomando um pedaço da Ucrânia.
E àqueles que pensam que o rigor russo não é uma coisa tão ruim assim, considerem a situação daqueles de etnia romena vivendo na Transnístria, conforme descrito por Cernea: “a existência deles é uma sequência ininterrupta de terror e humilhação...”. Conforme afirma Cernea, é de interesse da Romênia — e deveria ser de interesse do mundo — “que a Rússia não conseguisse construir reconstruir o Império Soviético e sua esfera de influência. A Rússia sozinha sem a Ucrânia não pode se tornar um império. É de vital interesse na Romênia que nossos vizinhos consigam repelir a invasão russa. [E também], a Romênia precisa da Ucrânia na União Européia, e não na União Eurasiana ou seja lá como eles chamem esse novo império russo”. 
 
“Recentemente”, continuou Cernea, “na Duma, Vladimir Zhirinovsky enviou uma proposta para Polônia, Hungria e Romênia sugerindo que eles tomassem de volta partes da Ucrânia que historicamente pertenceram a esses países. A despeito de esses três países serem atualmente governados por políticos que mantêm variadas conexões com Moscou, a resposta oficial deles foi negativa. Todos eles afirmaram apoio à integridade territorial ucraniana”. As ofertas para dividir o território ucraniano não param por aí. Forças especiais russas unidas à gangues de criminosos locais incitaram os separatistas no leste ucraniano. Desde então houve matanças e mais está por vir. 
 
No domingo conversei com o pesquisador e advogado que luta na causa da lustração [N.T.: medidas socio-políticas tomadas em alguns países do Leste Europeu que visam limitar a participação no poder dos “ex”-integrantes do poder soviético], Boris Chykulay, que explicou a mentalidade dos líderes russos da seguinte maneira: “Esses caras do governo russo não pensam no futuro. Eles foram garotos pobres uma vez e sabem o que significa a pobreza. Então eles estão prontos para lutar contra o mundo inteiro sem pensar nas consequências. Sanções para eles não significam nada. Eles estão jogando um jogo e as sanções fazem parte dele. Para salvar a propriedade privada ou alguma tradição, pessoas normais evitariam a guerra. Contudo, esses que estão no poder russo não dão a mínima se Moscou for reduzida a uma vila por causa de sanções. Eles vivem como se estivessem num filme dramático; como se estivessem sob o efeito de drogas. Era assim na União Soviética e ainda é assim hoje”. 
 
Sobre a blitz midiática russa, Chykulay disse: “Não tenho televisão porque odeio a TV russa. Vi alguns pequenos clipes na internet e tenho alguns parentes que assistem à programação russa. Quando os visito acabo vendo um pouco dessa propaganda. A mídia russa está tentando transformar pessoas em zumbis por meio de mensagens que começam logo cedo e vão até tarde da noite. É dificílimo discutir essas coisas com pessoas que aceitam assistir esse tipo de programação. Tenho um amigo que é um diretor de filmes e viveu em Praga na mesma época que eu, em 2004. Depois daquela época, ele foi a Moscou após receber um convite para produzir uma série de TV. Alguns de seus trabalhos foram populares. Ele disse que todos os roteiros devem passar pela FSB/KGB. Eles colocam notas nas páginas dos roteiros perguntando 'Onde está o retrato de Putin? Onde está a bandeira russa? Onde está o velho veterano de guerra?'. Eles queriam roteiros ingênuos para que pudessem inserir propaganda ali. Eles começaram isso no começo dos anos 2000. É um grande investimento. É mais dinheiro investido do que os investimentos de Google e Facebook somados. Então se você perguntar se eles temem sanções. Não, eles têm algo ruim em mente”.
 
Há sempre algo ruim rondando a mente deles e a Ucrânia não é a única vítima. Durante a entrevista de quinta-feira com o jornalista venezuelano e analista político Sammy Eppel, tive um vislumbre do futuro da América ao ouvir sobre o colapso da Venezuela na mão dos comunistas. A Venezuela está sendo sistematicamente destruída, aqui mesmo no hemisfério ocidental, sob o nariz dos Estados Unidos. “Para a Rússia, a Venezuela é um grande cliente comprador de armamentos”, disse Eppel. “A China enviou alguns armamentos, tais como aeronaves de treino militar e pilotos. Por isso, a China recebeu como pagamento petróleo. Atualmente a Venezuela aceitou dar aproximadamente metade da sua produção para exportação — um milhão de barris por dia — para a China, que por sinal já pagou adiantado. E é aí que entra o problema. A China conseguiu pagar um bom preço por isso: a metade dos preços exercidos atualmente”.
 
Após descrever o processo em que os comunistas burlaram as eleições na Venezuela usando as máquinas eletrônicas de votação, Eppel disse: “Direi a você como eles farão aí na América. No momento em que Chávez percebeu que a votação eletrônica seria a tendência do futuro, ele fundou uma companhia aí mesmo nos Estados Unidos. Ela chama Smartmatic e tem 20% das máquinas de votação do país sob o controle dela. Estamos falando de uma companhia do governo venezuelano. Esse tipo de coisa deveria ser proibida. Mas eles dizem 'Não, é apenas o livre empreendedorismo'. Essa é a companhia que tem organizado todas as eleições venezuelanas nos últimos 15 anos e eles irão ganhar eleições por aí, onde se vence por uma margem de 2% e, matematicamente, é necessário bem menos manipulação”. 
 
Por todo o tabuleiro, onde quer que você olhe, o Império das Mentiras avança. Com enclaves militares em lugares como a Transnístria e colônias como a Venezuela, e companhias de fachada como a Smartmatic, não podemos deixar de pensar que estamos perdendo um perigoso jogo que sequer admitimos a existência dele. Pois bem,ele existe e é melhor que acordemos antes que seja tarde.

22 de maio de 2014
Jeffrey Nyquist
Tradução: Leonildo Trombela Junior

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