"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 3 de março de 2014

ESTUDANTES NAS RUAS APOIAM A DIREITA NA VENEZUELA



Os jovens venezuelanos que estão nas ruas há mais de três semanas não diferem de seus pares latino-americanos somente pelos recursos utilizados em suas manifestações. A maioria vem de famílias de classe média alta e aposentou a camiseta do guerrilheiro Ernesto Che Guevara, "uniforme tradicional" em manifestações.
 
"Estamos brigando contra o socialismo, certamente", diz à BBC Brasil a estudante universitária Emily Vera, membro do movimento JAVU (Juventude Ativa Venezuela Unida), um grupo estudantil alinhado à direita radical.
 
Entre as técnicas de protestos utilizadas pela JAVU está a greve de fome. Emily conta que permaneceu 25 dias sem comer, junto a outros colegas, para exigir a libertação de supostos presos políticos, acusados pelo Ministério Público de assassinatos. A medida de pressão não foi atendida pelo então presidente Hugo Chávez, morto em março de 2013.
 
Polarização
Na Venezuela polarizada que defende de um lado uma "revolução socialista" e de outro a "erradicação do castro-comunismo", nenhum grupo admite estar à direita do tabuleiro político, ainda que suas ações contrariem essas afirmações.
 
Emily diz estar nas ruas em busca de um modelo híbrido de sociedade, que mantenha a "igualdade" defendida pelos socialistas, respeitando, no entanto, a liberdade de mercado e consumo.
"Temos direito a consumir e ter o que queremos sem sermos acusados pelo governo de ser burgueses", critica a estudante.
 
De acordo com especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o perfil conservador que caracteriza os jovens que protestam contra o governo reflete um processo de "direitização" do ensino universitário na Venezuela – que se aprofundou a partir dos anos 90.
 
Acompanhando a onda neoliberal que predominava na região, as universidades, principalmente as privadas, passaram a privilegiar em seus currículos a preparação para o mercado de trabalho, em detrimento das ciências humanas.
 
Mais universitários
De acordo com um estudo da Universidade de Los Andes (ULA), a educação privada cresceu 115% entre 1990 a 1998. A tendência foi acompanhada por uma migração de 28% da população universitária do setor público para o setor privado.
 
Quando Hugo Chávez chegou ao poder, em 1998, menos de 500 mil estudantes tinham acesso à universidade pública. Em 2013, o número de matrículas chegou a 2,6 milhões de inscritos.
Assim como ocorre no Brasil, a maioria das vagas nas universidades públicas é ocupada por alunos provenientes de escolas privadas, que chegam melhor preparados para o vestibular que os estudantes da rede pública.
 
Para reverter a tendência, o governo Chávez criou um sistema educacional paralelo com vistas a incluir – sem exigência do vestibular - jovens de baixa renda provenientes de escolas públicas.
O sistema universitário Missão Sucre mantém, atualmente, quase 500 mil estudantes – em sua maioria, provenientes das classes populares.
 
"Esses estudantes estão vinculados ao governo pela oportunidade de formação que tiveram", afirmou a historiadora Margarita López Maya.
 
Nas outras universidades públicas tradicionais, no entanto, ainda é necessário prestar exame para competir a uma vaga. A manutenção do vestibular representa uma das derrotas amargadas pelo chavismo no campo da educação.
 
Não ao comunismo
O veto à controvertida reforma universitária em 2010 , que incluia o fim do vestibular e a inclusão de disciplinas marxistas no currículo- é uma das vitórias que Emily Vera considera ter conquistado contra o governo chavista.
 
"A reforma implementava que deveríamos também ter matérias sobre comunismo e socialismo, assim como aconteceu em Cuba e estávamos contra isso", afirmou.
 
Líder de movimento estudantil opositor na Venezuela buscou orientação de blogueira Yoani Sanchéz
Emily conta que ela e seus colegas, entre eles o fundador do JAVU, Júlio César Rivas, procuraram ajuda e orientações da blogueira cubana anti-castrita Yoani Sánchez.
 
"Tivemos uma conversa com Yoani Sanchéz e ela nos disse que assim foi como começou o comunismo dentro das universidades em Cuba".
 
O vínculo entre Rivas e Sanchéz seria referendado mais tarde, quando o partido conservador norueguês decidiu premiar a ambos, o venezuelano em 2011 e a cubana em 2013, com o prêmio Lindebraekke de Direitos Humanos e Democracia.
 
Privilégios
Outro elemento que estimula os jovens de classe média a protestar contra o projeto bolivariano é a defesa de privilégios, na opinião da socióloga e psicóloga social Carmen Elena Balbás.
 
"É uma reação em defesa à classe social e a um estilo de vida", afirmou ela à BBC Brasil.
Dirigente estudantil nos anos 90, Sérgio Sanchéz tem outra explicação para a disputa entre os dois modelos de sociedade.
 
"Desde que entram na universidade, os estudantes ouvem que devem obter o diploma para serem ricos, trabalham numa multinacional e morar em Miami. A revolução bolivariana está brigada com este modelo e seus objetivos de vida", sentenciou Sanchéz.
 
"Por essa razão, muitos deles se veem sem futuro. Essa é a raiz do problema", acrescentou.
As preocupações de Emily Vera caminham nesta mesma direção. A jovem universitária considera que o projeto de "revolução" proposto pelo chavismo não preenche as necessidades e anseios de parte da juventude venezuelana.
 
"Nossos jovens se formam e querem deixar o país porque pensam que terão melhores oportunidades fora daqui", afirmou.
 
Revolução colorida
Um punho cerrado identifica e inspira os jovens do JAVU. O símbolo é o mesmo do movimiento estudantil Otpor (Resistência) da Sérvia – que ajudou a derrubar o regime de Slobodan Milosevic, em 2000. O Otpor, que contou com ajuda financeira dos EUA, se transformou numa espécie de centro de formação de jovens e sua atuação foi decisiva para o êxito das chamadas "revoluções coloridas" que se espalharam por ex-países da União Soviética a partir do ano 2000.
 
De olho no que aconteceu no velho continente, Emily Vera diz que ela e seus colegas permanecerão nas ruas até cumprirem seu objetivo final: "Queremos uma mudança de governo".
 
O enfrentamento no campo de batalha instalado na praça Altamira, centro nervoso dos protestos, permanece vivo. A mesma cena se repete quase todos os dias. Durante horas, os jovens atacam o cordão de isolamento da polícia com seu "arsenal" atípico aliado a coquetéis molotov e uma espécie de escopeta que dispara sinalizadores.
 
Em seguida, a polícia responde com gás lacrimogêneo e balas de borracha. No último domingo, no entanto, a disputa ideológica esteve marcada com música.
 
Em meio a escudos e veículos blindados, os policiais instalaram gigantescas caixas de som e fizeram ecoar a todo volume a música do cantor popular venezuelano, Ali Primera – ícone dos bolivarianos.
Enquanto os estudantes se perdiam na fumaça do gás lacrimogêneo, escutavam o refrão: "Não, não basta rezar, faz falta muita coisa para conseguir a paz".
 
03 de março de 2014
 

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