"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 11 de janeiro de 2014

MORREU ARIEL SHARON, DEPOIS DE UMA LONGA AGONIA.

De forma didática, Sharon evidenciou que, sem a renúncia dos palestinos ao terror, não há paz possível

Morreu Ariel Sharon, depois de uma longa agonia. Os textos de Jean-Philip Struck e Caio Blinder (aqui e aqui) abordam com clareza e eficiência os aspectos ambíguos de sua trajetória política. Deu motivos para ser detestado, mas só ate certo ponto; deu motivos para ser amado, também até certo ponto. Bem, talvez se possa dizer o mesmo de cada um de nós, não? O problema é que o destino colocou Sharon numa região muito particular do planeta, onde amor e ódio mobilizam paixões que vão muito além da esfera privada.
 
No comando do governo de Israel, Sharon fez o absolutamente inesperado, por críticos e admiradores — e era inesperado de tal sorte que os primeiros tiveram de lhe reconhecer qualidades que não suspeitavam, e os outros se sentiram traídos.
Como primeiro-ministro, promoveu a desocupação da Faixa de Gaza e recorreu à força para acabar com os assentamentos judaicos que havia na região, o que lhe rendeu o ódio de algumas correntes religiosas. Também alterou o antigo equilíbrio entre direita (Likud) e esquerda (trabalhistas) com a criação do Kadima.
Nota à margem: em Israel, “direita” e “esquerda” assumiram um conteúdo muito particular, que só vale para aquele país e diz respeito, basicamente, às negociações com os palestinos: o Likud, em tese, faz menos concessões. O Kadima, sob o comando de Sharon (quem diria? O velho ícone da direita radical…), apresentou-se como uma força de centro.
 
A desocupação de Gaza acabou revelando, de maneira insofismável, um aspecto da questão israelo-palestina que muita gente se nega a reconhecer. Ainda que se possa argumentar que Israel pôs fim a uma intervenção cara, estrategicamente inútil e que lhe rendia desgaste internacional, o fato é, e todo mundo sabe, que ela poderia ter se prolongado indefinidamente.
A saída, portanto, foi, sim, uma concessão, que lhe rendeu, diga-se, ódios internos incontornáveis.
 
E aconteceu com Gaza o quê? Caiu nas mãos dos terroristas do Hamas. Não vou entrar na lógica da disputa interna de poder entre os palestinos. O fato é que o território se transformou numa plataforma de lançamento de mísseis contra Israel. Ignorar que as consequências da desocupação da área servem de advertência para o que poderia acontecer com a Cisjordânia caso ficasse inteiramente sob o controle palestino é querer tapar o sol com a peneira.
 
Em suma: aquela que a foi a mais vistosa concessão do governo de Israel às forças palestinas acabou, por contraste, demonstrando como é estreito e difícil o caminho da paz. De forma didática — e traumática, sim, para o seu próprio povo —, Sharon acabou evidenciando que a paz não é possível enquanto os palestinos não promoverem, então, a sua revolução interna, que ponha fim à perspectiva do terror. Sem isso, não há acordo possível. Existem radicais e truculentos no governo de Israel.
O terrorismo palestino só lhes dá razão prática.
 
O destino acabou sendo cruel com Sharon e, a rigor, com as perspectivas de um entendimento na região. Justamente porque não pesava sobre as suas costas a suspeita de que pudesse pôr em risco a segurança de Israel, poderia ter conduzido negociações mais ousadas do que qualquer outro político — tinha credibilidade junta a fatias importantes dos conservadores.
Mas a história não tem “e se…” É o que é. O derrame o colheu quando ele levava para a política a ousadia e impetuosidade que tinha no campo de batalha. E a paz, vejam que ironia, ficou ainda mais distante.
 
11 de janeiro de 2014
Reinaldo Azevedo

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