Nesta quarta-feira, dia 17, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central decidirá o valor da taxa básica de juros (Selic) que vigorará pelos próximos 40 dias (até a próxima reunião, quando pode ser mantida ou alterada). Em razão da epidemia, a taxa foi reduzida para 2% ao ano.
Estamos em meio a três choques de oferta. Houve uma desorganização das cadeias produtivas que reduziu os estoques da indústria até o varejo. Fato pouco estudado, mas tudo indica que a recuperação em “V” da economia mundial, após a queda brusca do 2º trimestre de 2020, foi muito mais intensa no consumo de mercadorias. A produção em casa de diversos serviços — alimentação, corte de cabelo, teletrabalho, entre tantos outros— gerou excesso de demanda por bens e insumos industriais.
OUTROS CHOQUES – O segundo choque de oferta foi a fortíssima depreciação do câmbio, que encareceu a oferta de bens importados.
O terceiro choque de oferta foi a elevação da demanda por grãos para a produção de ração para a suinocultura chinesa. Em 2019, o rebanho chinês foi atingido pela gripe suína africana, que gerou abate de 40%. Boa parte desse rebanho era de produção doméstica e alimentada por restos de alimentos, a tradicional lavagem. A reconstituição do rebanho está sendo feita prioritariamente por granjas de suínos modernas que empregam ração em vez de lavagem. Houve aumento permanente da demanda mundial por soja e milho.
Há também dois choques de demanda, um positivo e outro negativo. O choque negativo é a piora da atividade fruto do agravamento da epidemia. Independentemente de o poder público restringir muito a mobilidade ou não, em razão da piora acentuada da epidemia, haverá queda importante da atividade no 2º trimestre. Isso após a economia provavelmente ter recuado 0,5% no 1º trimestre.
REAL DESVALORIZADO – Adicionalmente, a desvalorização do câmbio eleva a demanda pela exportação de nossos produtos. Claro choque positivo de demanda.
Em condições normais, dado que somos um grande produtor e exportador de commodities, o câmbio se valorizaria em resposta à alta dos preços das matérias-primas. No entanto, como tenho tratado neste espaço nos últimos meses, desde abril de 2020 esse mecanismo equilibrador entre preço de commodities e câmbio desapareceu.
Assim, há várias pressões inflacionárias, e o Copom provavelmente irá iniciar um ciclo de elevação de juros mesmo com atividade em queda. Claro cenário de estagflação.
DINÂMICA DA INFLAÇÃO – Em condições normais, o Copom não deveria responder a choques de oferta. Mas há situações em que o Copom deve responder. A dinâmica da inflação é a resultante de quatro forças: inércia, expectativas, câmbio e ociosidade. Três dessas quatro forças viraram e estão na direção de elevar a inflação. A intensidade com que essas forças (todas, menos a ociosidade) pressionam a inflação requer que se inicie um ciclo de elevação de juros.
É comum argumentar que a alta dos juros é somente para estimular a valorização do câmbio, e não para cortar a demanda. Não há nenhum conflito aqui.
Se a subida dos juros promover a valorização do câmbio, a demanda do resto do mundo pelos nossos produtos se reduzirá. É a função da política monetária.
RISCO FISCAL – A única maneira de evitarmos um ciclo de alta de juros seria haver uma melhora da percepção do risco fiscal e termos a restituição do balanço entre preços de commodities e câmbio. Há alguns meses eu apostava nesse cenário. Ele não veio.
O início muito prematuro do período eleitoral, com a devolução a Lula de seus direitos políticos adicionada à incapacidade de Bolsonaro em liderar o país, sugere que teremos à frente muita volatilidade.
Infelizmente a inflação é um Boeing que já deixou de taxiar e está no momento iniciando sua corrida para a decolagem. É hora de agir.
17 de março de 2021
Samuel Pessôa
Folha
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