No dia 17 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal foi além da mera análise de constitucionalidade da lei 13.979/20 e autorizou pesadas medidas punitivas a quem se recusar a tomar a vacina contra a Covid-19.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator, afirmou que:
O direito à saúde da coletividade e das crianças prevalece sobre a liberdade de consciência e convicção filosófica.
Segundo o ministro,
O Estado pode proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade. [...] A dignidade protege também o próprio indivíduo eventualmente contra a sua desinformação ou a sua escolha equivocada, impondo a ele a imunização que irá preservar a sua vida ou a sua saúde. Esse é um dos raros casos em que o paternalismo se justifica, com o estado se sobrepondo à vontade individual
E ainda defendeu que aquele que se recusar pode ter expressamente proibida "a matrícula de uma criança em escola privada, ou benefícios como o Bolsa-Família".
Ricardo Lewandowski acompanhou e argumentou pela obrigatoriedade "em prol do bem-estar da saúde da coletividade".
Marco Aurélio Mello foi além, e afirmou que a recusa do pai "pode implicar inclusive a retirada do pátrio poder."
Ou seja, na prática, o STF tornou a vacina obrigatória, inclusive para crianças.
Em termos coloquiais, se você se recusar a vacinar — porque não acredita que uma vacina criada em seis meses seja segura, pois pode ter efeitos colaterais de longo prazo, impossíveis de serem detectados agora —, você se torna um cidadão sem direitos fundamentais, podendo inclusive ter seus filhos sequestrados de você.
Vacinas são importantes demais para serem obrigatórias
Os defensores da liberdade não são contra vacinas. Ao contrário: as vacinas e os antibióticos foram uns dos responsáveis pelo grande salto na estimativa de vida da população em geral. As vacinações e imunizações inequivocamente contribuem com a saúde ao prevenir doenças. Há mais de 100 anos melhoram a qualidade e expectativa de vida no Brasil e no mundo.
Defensores da liberdade são contra, isso sim, um programa compulsório de vacinação.
E a questão nem sequer está na eficácia das vacinas; está, isso sim, em seus possíveis efeitos colaterais de longo prazo, os quais, exatamente por se tratarem de vacinas recém-criadas, não têm como ser identificados agora (não é à toa que vacinas demoram até 10 anos para serem homologadas; até hoje, nenhuma vacina foi aprovada em menos de dois anos após a descoberta do vírus, o que também explica por que as farmacêuticas querem isenção de responsabilidade).
Sendo assim, um indivíduo tem todo o direito de não querer correr este risco. E ele não pode sofrer terrorismo em decorrência disso.
É simplesmente inaceitável um programa estatal que trata os não-vacinados como criminosos, e ainda os ameaça não apenas com o confisco de propriedade como também com a tomada da guarda dos filhos.
Sim, é crucial que as vacinas sejam disponibilizadas, logo que possível, para quem quiser tomá-las, em particular grupos de risco. No entanto, a obrigatoriedade conforme descrita pelo STF é uma afronta grave à liberdade.
Nenhum país desenvolvido adotou essa prática: preferiram realizar campanhas de comunicação e tratar a vacina como direito da população.
Isso vale ser repetido: nenhum país sério do mundo impôs a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19.
Punindo probabilidades
Os defensores da obrigatoriedade baseiam-se na absurda hipótese de que quem não se vacinar necessariamente (a) contrairá a doença, e que, ato contínuo, (b) transmitirá o vírus a terceiros.
Na versão mais branda, sustentam que há ao menos o "risco" de que ambos ocorram.
Deixando de lado a contradição da lógica acima (afinal, quem se vacina está imune, e, logo, não precisa se preocupar em ser contaminado por terceiros), vale ressaltar outra obviedade: uma sociedade decente não pune nenhum cidadão por "risco" ou "chance" de que causará dano futuro.
Se ficar demonstrado que 95% dos crimes são causados por jovens do sexo masculino, isto ensejaria restrição ou punição preventiva a estes? É evidente que não. No entanto, a lógica é a mesma utilizada pelos defensores da vacinação compulsória. A idéia assumida é a de que só porque uma pessoa se recusou a injetar uma substância em seu corpo, ela automaticamente passa a ser um perigo em potencial e, por isso, tem de ser punida preventivamente.
Em uma sociedade livre, o governo não tem de lidar com probabilidades. A lei tem de lidar com ações e com ações apenas, e somente na medida em que estas causarem danos a pessoas ou à propriedade. Probabilidades são para as seguradoras.
A lei tem de se contentar em impedir e punir crimes em si, não em agredir indivíduos inocentes com base em probabilidades e propensões. Só porque uma pessoa se recusou a injetar uma substância em seu corpo, ela automaticamente não passa a ser um perigo.
O princípio histórico de não causar danos determina que a conduta do indivíduo só pode ser restringida caso represente ameaça iminente e manifesta à integridade física de terceiros. O infectado que apresente sinais exteriores da doença ou falta de precaução deve ser restringido de imediato, algo que é feito automaticamente pelo simples respeito à propriedade privada: o proprietário tem todo o direito de estipular quem pode e quem não pode adentrar seu estabelecimento.
Por outro lado, o indivíduo saudável e inocente não pode nem deve ser extirpado de suas liberdades e de seus direitos fundamentais pelo estado.
A decisão individual sobre a vacinação envolve a ponderação entre potenciais benefícios e danos, com apoio do médico. O inescapável risco de dano a si (os efeitos colaterais de curto, médio e longo prazo) compensa em inúmeros casos, em especial ao grupo de risco.
Seus rins e o inevitável mercado negro
O argumento pela obrigatoriedade, ademais, traz em si um argumento em prol do poder absoluto.
Seguindo lógica análoga, caso a "saúde da coletividade" necessite dispor de um de seus dois rins para suprir a escassez da fila de órgãos, o estado deverá lhe "restringir" (multa, proibição de filhos na escola, perda da guarda) até que você seja "incentivado" a se comportar bem e doar seu rim em vida.
Por fim, a obrigatoriedade irá simplesmente gerar mais resistência à vacina do que geraria caso a vacina fosse tratada como um direito. Haverá aumento da polêmica e uma intensa politização de um tema de saúde pública.
Os indecisos tenderão a se opor à imposição — vejam a reação da população de Búzios, que reverteu no grito o estapafúrdio fechamento da cidade determinado por um juiz.
Grupos religiosos e contrários à vacina tenderão a ficar com suas convicções.
E, naturalmente, surgirá o mercado negro dos comprovantes de vacinação, algo contra o qual o estado nada poderá fazer (vide o mercado negro das carteirinhas de estudante). Aí, sim, teremos um arranjo perigoso: pessoas contaminadas irão circular livre e desimpedidamente, pois estarão portando um documento chancelado pelo estado atestando que elas são saudáveis.
Apenas mais um exemplo prático das consequências não-premeditadas das intervenções estatais
29 de dezembro de 2020
Hélio Beltrão
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