This entry was posted on novembro 25, 2014, in Fogão de lenha (memórias d’ontonte) and tagged comida, família, nostalgia, Ponta Grossa, sol. Bookmark the permalink. Deixe um comentário
A tarefa poderia acontecer a qualquer hora, mas, para atingir as qualidades do ritual, aí sim, havia uma hora precisa. Era por volta das 9h da manhã. Ana despejava os feijões em cima da toalha encerada da mesa da cozinha, aquela toalha toda colorida. Daí, os olhos escrutinadores e os dedos ágeis começavam a trabalhar.
Os feijões trazidos do campo ou comprados na feira eram os mais frescos, os que cozinhavam melhor, faziam caldo mais grosso e derretiam na boca. Mas vinham cheios de pedrinhas, galhinhos, cascas e, às vezes, algum caruncho – elemento este que levava, fatalmente, à condenação do feirante, “esse sem-vergonha que vendeu feijão velho misturado ao novo”. Cada pequena impureza precisava ser separada e acomodada num montinho dos rejeitados no canto da mesa.
De tempos em tempos, a mão se transformava em espátula e empurrava uma boa quantidade dos feijões limpos pra dentro da bacia. Outro tanto se espalhava diante dos olhos para ser escrutinado. E a operação se repetia até o último grão se somar aos escolhidos.
Daí, vinha o momento mais lindo, lá no quintal dos fundos. Da bacia para uma enorme peneira. E os feijões começavam a dança sobre o entrelaçado metálico, ao ritmo de sua própria música tzc-tzc-tzc-tzc. Era a hora de eliminar as menores impurezas. E entre tzc-tzc pra lá, tzc-tzc pra cá, lá iam os feijões para o alto. Voavam faceiros, banhados pelo sol da manhã, para tombar de volta sobre a peneira gigante e continuar sua dança. Os movimentos eram precisos, clínicos. Nenhum bom feijão se perdia. Nenhuma impureza restava.
E o sabor daqueles feijões era e será sempre inigualável. Podia ser a qualidade do feijão. Podia ser o cozinhado lento no fogão de lenha. Ou mesmo o tempero, feito com todas aquelas ervas fresquinhas colhidas no quintal. Mas nada me tira da cabeça que o que os tornava tão gostosos era aquela festa dos feijões, que os animava a ir felizes pra panela. O que a gente comia era, na verdade, doses de felicidade.
01 de setembro de 2019
in Filosofia de botequim
A tarefa poderia acontecer a qualquer hora, mas, para atingir as qualidades do ritual, aí sim, havia uma hora precisa. Era por volta das 9h da manhã. Ana despejava os feijões em cima da toalha encerada da mesa da cozinha, aquela toalha toda colorida. Daí, os olhos escrutinadores e os dedos ágeis começavam a trabalhar.
Os feijões trazidos do campo ou comprados na feira eram os mais frescos, os que cozinhavam melhor, faziam caldo mais grosso e derretiam na boca. Mas vinham cheios de pedrinhas, galhinhos, cascas e, às vezes, algum caruncho – elemento este que levava, fatalmente, à condenação do feirante, “esse sem-vergonha que vendeu feijão velho misturado ao novo”. Cada pequena impureza precisava ser separada e acomodada num montinho dos rejeitados no canto da mesa.
De tempos em tempos, a mão se transformava em espátula e empurrava uma boa quantidade dos feijões limpos pra dentro da bacia. Outro tanto se espalhava diante dos olhos para ser escrutinado. E a operação se repetia até o último grão se somar aos escolhidos.
Daí, vinha o momento mais lindo, lá no quintal dos fundos. Da bacia para uma enorme peneira. E os feijões começavam a dança sobre o entrelaçado metálico, ao ritmo de sua própria música tzc-tzc-tzc-tzc. Era a hora de eliminar as menores impurezas. E entre tzc-tzc pra lá, tzc-tzc pra cá, lá iam os feijões para o alto. Voavam faceiros, banhados pelo sol da manhã, para tombar de volta sobre a peneira gigante e continuar sua dança. Os movimentos eram precisos, clínicos. Nenhum bom feijão se perdia. Nenhuma impureza restava.
E o sabor daqueles feijões era e será sempre inigualável. Podia ser a qualidade do feijão. Podia ser o cozinhado lento no fogão de lenha. Ou mesmo o tempero, feito com todas aquelas ervas fresquinhas colhidas no quintal. Mas nada me tira da cabeça que o que os tornava tão gostosos era aquela festa dos feijões, que os animava a ir felizes pra panela. O que a gente comia era, na verdade, doses de felicidade.
01 de setembro de 2019
in Filosofia de botequim
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