Cabe a políticos dialogar para respeitar o Estado de direito e não ceder a pressões
Há muito com o que se preocupar nos tempos atuais, sobretudo a rejeição da boa política.
O país enfrenta dificuldades para conciliar interesses divergentes em meio a uma economia que não tem como atender a todos os pedidos. Já há muito se sabe que os benefícios concedidos pelo governo não cabem no Orçamento.
Apesar disso, grupos organizados se mobilizam para pedir novos benefícios ou impedir a revisão dos seus privilégios.
A lista é longa. Servidores públicos fazem greve branca para garantir reajustes salariais apesar da perda de renda do restante da população. O bolo ficou menor depois da recessão, mas as dificuldades são irrelevantes para quem demanda seu butim.
Setores produtivos privilegiados com desonerações se recusam a pagar impostos como o restante da sociedade. Outros, como a agricultura recentemente, conseguem novos benefícios. Dane-se a restrição fiscal.
O petróleo ficou mais caro e os caminhoneiros paralisam o país, chantageando o restante da sociedade para que pague a conta do seu combustível.
Como o governo é fraco, aproveitam para pedir o tabelamento do frete de modo a restringir a concorrência e a aumentar as suas receitas, onerando o transporte de bens. Chantagem pouca é bobagem, e também exigem dispensa de licitação para vender seus serviços ao setor público.
O próximo governo precisará negociar as perdas inevitáveis. Há uma conta imensa a ser paga, talvez R$ 250 bilhões ao ano. Benefícios terão que ser reduzidos e tributos, aumentados.
Pior apenas a alternativa. A recessão recente pode ter sido apenas o prólogo de uma crise ainda mais severa.
Nossa democracia requer ampla maioria para superar os problemas. Não há como reduzir o crescimento dos gastos públicos sem reformar a Constituição ou as suas emendas, o que exige o apoio de 60% do Congresso.
Há mais. A extensão da Constituição tem justificado o ativismo do Judiciário que, com frequência, revê decisões do Congresso ou impõe novos gastos públicos, às vezes desconsiderando o bem-estar da maioria.
Enfrentar nossos desafios requer técnica para avaliar o impacto das propostas. Já tivemos em demasia, principalmente desde 2011, decisões incompetentes, com efeito contrário ao pretendido. Difícil imaginar as consequências de uma nova gestão que não saiba do que está falando.
A técnica, entretanto, apenas delimita possíveis soluções.
Resolver os problemas requer a liderança da política, a quem cabe dialogar com os demais Poderes e negociar conflitos respeitando o Estado de direito, sem transgredir por pressão de chantagistas.
Quem sabe o susto com o descontrole recente, que pode se agravar, ajude a recuperar a boa política.
Marcos Lisboa
Doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2003 a 2005). Preside o Insper.
Folha de SP
Há muito com o que se preocupar nos tempos atuais, sobretudo a rejeição da boa política.
O país enfrenta dificuldades para conciliar interesses divergentes em meio a uma economia que não tem como atender a todos os pedidos. Já há muito se sabe que os benefícios concedidos pelo governo não cabem no Orçamento.
Apesar disso, grupos organizados se mobilizam para pedir novos benefícios ou impedir a revisão dos seus privilégios.
A lista é longa. Servidores públicos fazem greve branca para garantir reajustes salariais apesar da perda de renda do restante da população. O bolo ficou menor depois da recessão, mas as dificuldades são irrelevantes para quem demanda seu butim.
Setores produtivos privilegiados com desonerações se recusam a pagar impostos como o restante da sociedade. Outros, como a agricultura recentemente, conseguem novos benefícios. Dane-se a restrição fiscal.
O petróleo ficou mais caro e os caminhoneiros paralisam o país, chantageando o restante da sociedade para que pague a conta do seu combustível.
Como o governo é fraco, aproveitam para pedir o tabelamento do frete de modo a restringir a concorrência e a aumentar as suas receitas, onerando o transporte de bens. Chantagem pouca é bobagem, e também exigem dispensa de licitação para vender seus serviços ao setor público.
O próximo governo precisará negociar as perdas inevitáveis. Há uma conta imensa a ser paga, talvez R$ 250 bilhões ao ano. Benefícios terão que ser reduzidos e tributos, aumentados.
Pior apenas a alternativa. A recessão recente pode ter sido apenas o prólogo de uma crise ainda mais severa.
Nossa democracia requer ampla maioria para superar os problemas. Não há como reduzir o crescimento dos gastos públicos sem reformar a Constituição ou as suas emendas, o que exige o apoio de 60% do Congresso.
Há mais. A extensão da Constituição tem justificado o ativismo do Judiciário que, com frequência, revê decisões do Congresso ou impõe novos gastos públicos, às vezes desconsiderando o bem-estar da maioria.
Enfrentar nossos desafios requer técnica para avaliar o impacto das propostas. Já tivemos em demasia, principalmente desde 2011, decisões incompetentes, com efeito contrário ao pretendido. Difícil imaginar as consequências de uma nova gestão que não saiba do que está falando.
A técnica, entretanto, apenas delimita possíveis soluções.
Resolver os problemas requer a liderança da política, a quem cabe dialogar com os demais Poderes e negociar conflitos respeitando o Estado de direito, sem transgredir por pressão de chantagistas.
Quem sabe o susto com o descontrole recente, que pode se agravar, ajude a recuperar a boa política.
Marcos Lisboa
Doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2003 a 2005). Preside o Insper.
Folha de SP
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