A presidente da República em exercício, Cármen Lúcia, assinou decreto nesta terça-feira, 24, que institui a Política Nacional de Trabalho no Sistema Prisional, que obriga empresas contratadas pela administração pública a empregar presos e ex-presidiários como parte da mão de obra.
O objetivo, segundo o governo, é facilitar a inserção deles no mercado do trabalho.
Pelo texto, fica estabelecida a obrigatoriedade para os contratos com valores anuais acima de R$ 330 mil. Nestes casos, a quantidade de vagas destinadas para presidiários e ex-presidiários dependerá do número total de funcionários demandado para o serviço e poderá variar de 3% a 6%.
Entre os serviços possíveis estão limpeza, conservação, alimentação, consultoria, engenharia e vigilância.
A medida vale para pessoas presas em regime fechado, semi-aberto, aberto e egressas do sistema prisional.
Aqueles que cumprirem as exigências, como o cumprimento de pelo menos um sexto da pena, receberão salário e também auxílio para transporte e alimentação, além de poderem utilizar o serviço para pedir redução da pena. Eles passarão por avaliações mensais, feitas pelas empresas, que serão encaminhadas ao juiz responsável pela execução da pena.
Para o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, a medida busca humanizar o cumprimento da pena e engajar as empresas. "Essa política é fundamental porque cria condições para presos e egressos contarem com possibilidade real de ressocialização", afirmou.
À primeira vista e aos olhos do leigo, a ideia até pode parecer boa, afinal, trata-se de tentar levar a bandidagem para o trabalho e para a vida produtiva. O problema, como quase sempre ocorre, são os efeitos não-intencionais dessas medidas bem intencionadas.
A primeira consequência perturbadora que vem à mente é o desestímulo à retidão do cidadão honesto e cumpridor das leis. É óbvio, até mesmo para os políticos e burocratas, que, para cada presidiário ou ex-presidiário contratado por força deste decreto, algum trabalhador desempregado continuará desempregado.
Possivelmente, esse cidadão pensará que não é lá muito proveitoso andar na linha. "Eu, que sempre me comportei bem, não consigo emprego, mas aquele sujeito que se comportou mal perante a sociedade, além de ter recebido o tal auxílio reclusão enquanto esteve preso, agora tem prioridade sobre mim na hora de conseguir emprego." Que indivíduo normal não faria um raciocínio semelhante?
A segunda consequência desse tipo de medida é o aumento de custos das empresas obrigadas a cumpri-la. O próprio decreto já prevê o aumento da burocracia ao determinar a necessidade de avaliações mensais, feitas pelas empresas, para encaminhamento ao juiz de execuções penais.
Além disso, qualquer empresa com um mínimo de zelo pelo próprio patrimônio e imagem terá de manter vigilância constante sobre esses indivíduos, pelo menos até que eles comprovem ser dignos de confiança. Não se trata de preconceito, mas de necessidade mesmo.
O que nos leva à terceira consequência, que pesará sobre nossos bolsos: dado que agora essas empresas contratadas pelo governo terão custos extras com as avaliações dos presidiários e com a necessidade de ter mais vigilância sobre seu patrimônio, é óbvio que o preço final pago por todos nós será maior.
Se você é dono de uma empresa e vai prestar serviços ao governo, isso, por si só, já é motivo para cobrar um preço maior que o de mercado (toda a nossa atual corrupção vem majoritariamente deste arranjo). Porém, dado que agora você é obrigado a contratar presidiários, é obrigado a avaliá-los e reportar ao juiz, e terá de intensificar sua segurança, então é óbvio que o preço que você vai cobrar pelo seu serviço será maior.
E como empresas licitadas para obras do governo são pagas com impostos da população, todos nós é que vamos bancar isso.
Na prática, portanto, todos nós, inclusive os mais pobres, iremos pagar impostos para bancar os salários, o vale-transporte e o auxílio-alimentação destes "cidadãos infratores", os quais de certa forma se transformam em funcionários públicos com emprego garantido.
Uma sugestão
Se o governo pretende dar chance de ressocialização aos detentos e ex-detentos, o melhor a fazer seria jogar o jogo dos incentivos, sem imposições, como prevê a boa teoria econômica.
Em vez de obrigar empresas a contratarem presidiários e ex-presidiários, uma ideia seria reduzir, ou mesmo abolir, os custos de demissão desses trabalhadores no mercado comum. Não há por que eles terem os mesmos privilégios (como multa de 40% do FGTS, aviso prévio e demais multas rescisórias) dos cidadãos honestos.
Tal medida seria um paliativo, mas ao menos iria na direção correta. De um lado, incentivaria a contratação destas pessoas em decorrência de penalizações menores em caso de demissão. De outro, não diminuiria em muito as chances dos demais cidadãos, pois estes ainda têm a vantagem de seu histórico honesto.
De resto, além de incentivar as empresas a correr os riscos inerentes à contratação de criminosos e ex-criminosos — e, mais importante, sem obrigá-las a nada —, tal medida transferiria os custos desses riscos para os próprios beneficiários (que deverão dar a sua cota de sacrifício) e não para a sociedade.
Não é a solução perfeita, é claro, mas muito mais racional e sensata que esta apresentada pelo governo.
01 de agosto de 2018
João Luiz Mauad
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