Quando se olha para os dados da economia mundial, inevitavelmente as atenções se voltam para as enormes diferenças de desempenho do Brasil quando comparado com o de outras economias emergentes, especialmente na Ásia. No início da década de 1980 o produto per capita da Coréia era aproximadamente o mesmo do Brasil, em torno de US$ 2.000,00; hoje o produto per capita da Coréia está próximo de US$ 30.000,00 enquanto o do Brasil permanece em cerca de US$ 9.000,00. Se a comparação for feita com a China as diferenças de desempenho serão ainda mais dramáticas.
No início da década de 1980 o produto per capita da China era dez vezes menor do que o do Brasil e hoje são praticamente iguais e, além disso, as taxas de crescimento da China permanecem substantivamente mais elevadas do que no Brasil. Recentemente um seminário internacional destacou em seu relatório que “dois anos atrás o Brasil ocupava a 23ª. posição no ‘The Soft Power 30’, um sistema de classificação que mede ‘o poder da nação em relação a outras nações’ em termos de influência internacional, parcerias regionais, índices de desenvolvimento humano e outros recursos de ‘soft power’. Este ano o Brasil caiu para a 29ª posição revelando uma gradual erosão de seu soft power.” Obviamente muitas razões podem ser apontadas como explicação para esse baixo desempenho da economia brasileira.
Este artigo propõe-se explorar uma dessas razões que se afigura notavelmente importante: desde o “milagre econômico” da segunda metade da década de 1960 e início da década de 1970, o Brasil caracterizou-se por manter uma abordagem equivocada da economia internacional. De fato, pode-se dizer que ao longo das últimas quatro décadas o Brasil vem dirigindo na contra mão da economia mundial.
O Brasil tem uma longa tradição de ser uma nação notavelmente “inward looking” e, em razão de uma estranha combinação de orgulho, suspeição e medo, em várias circunstâncias o Brasil tem agido contrariamente às tendências da economia mundial. Com efeito, ao longo das últimas décadas, em vários momentos, os governantes brasileiros decidiram desenvolver políticas públicas substancialmente diferentes de outros países, sempre argumentando que o Brasil era um país diferente e que tinha muitas necessidades peculiares e que, assim, demandava políticas públicas diferentes, em especial em relação aos países mais industrializados e desenvolvidos.
O Brasil diante do embargo do petróleo e da crise da dívida externa
Na década de 1970, a crise do petróleo trouxe inflação e incertezas para a economia mundial e a grande maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, a Europa e vários países em desenvolvimento, adotou políticas duras para conter o consumo de petróleo. O governo brasileiro, no entanto, decidiu não seguir a tendência mundial. Ao contrário, os dados do período mostram que, ao longo dos piores anos da crise, a importação e o consumo de petróleo cresceram de forma contínua. À época, o Brasil importava cerca de 90% do petróleo consumido e a maior parte dessas importações vinha dos países do Oriente Médio. Às vésperas do desencadeamento da crise, os preços do petróleo no Mercado internacional giravam em torno de US$2.50 p/barril e, ao final da década de 1970, o barril de petróleo atingia US$30.00, mas o governo brasileiro insistia em não tomar medidas de ajuste alegando, entre outras, as seguintes razões: a) reduzir o consumo de petróleo iria significar a interrupção do crescimento econômico; b) o petróleo havia se tornado um insumo essencial para toda a economia e, assim, o governo deveria garantir por todos os meios o fornecimento dessa matéria prima; c) elevar os preços da gasolina e do óleo diesel seria muito arriscado para a estabilidade do governo. Havia outros argumentos baseados em razões sociais e econômicas, mas os resultados não poderiam outros que não um pesado endividamento. Talvez o governo brasileiro não estivesse totalmente errado, mas com toda certeza, foi longe demais em suas decisões e comprometeu por anos a sanidade e o potencial de crescimento da economia brasileira.
O problema da dívida externa atormentou o Brasil e muitos outros países em desenvolvimento ao longo da década de 1980, no entanto a crise da dívida do Terceiro Mundo era parte de um fenômeno mais profundo que, na verdade, estava produzindo uma nova ordem econômica internacional que ficaria conhecida como globalização. No Brasil, o fim da década de 1980 coincidiu com o fim do regime militar, mas esse fato não significou o abandono dos velhos padrões caracterizados pela visão “inward looking” e pela economia fechada ao comércio e às finanças internacionais. O fenômeno da globalização foi um processo bastante complexo que apresentava dois aspectos notavelmente importantes: primeiro, a crescente integração dos mercados internacionais e da produção industrial em escala global e, segundo, a perda de relevância das fontes oficiais de recursos para investimentos diante das dimensões que assumiam as poupanças privadas disponíveis nas empresas, nos bancos e nos fundos de investimento privados. Nesse cenário, os caminhos tomados pelos governantes brasileiros foi, predominantemente, no sentido de opor-se à globalização ao invés de procurar compreender apropriadamente esse processo em seus problemas e também em termos de oportunidades nascentes para o comércio e para os fluxos financeiros.
Lutando contra a globalização
Essa forma de abordar a globalização pode ser vista comparando-se a forma como Brasil e Coréia decidiram estimular o desenvolvimento da indústria da informática. No início a década de 1980, tanto no Brasil quanto na Coréia, os governantes decidiram que a indústria da informática era estratégica para a indústria e para o futuro da nação. No Brasil, produziu-se uma lei que fechava completamente o mercado brasileiro para a importação de computadores e de quaisquer produtos de informática. Essa lei foi aprovada com o suporte de grupos nacionalistas presentes nos partidos políticos de esquerda, nas forças armadas, nos meios acadêmicos e também nas associações industriais. Como justificativa para essa lei radicalmente protecionista estava a idéia de que em uma indústria de importância tão estratégica o Brasil deveria ser alto-suficiente para evitar qualquer forma de dependência externa. A Coréia, no entanto, adotou um curso de ação completamente diferente. Seus governantes decidiram que a melhor estratégia para desenvolver uma pujante indústria de informática seria integrando a indústria coreana, ainda incipiente, à indústria mundial da informática dominada pelas grandes corporações mundiais dos EUA, da Europa e do Japão. Parece desnecessário discutir e detalhar os diferentes resultados obtidos na matéria pela Coréia e pelo Brasil.
Nos fins da década de 1980, Amaury Porto de Oliveira – Embaixador do Brasil em Singapura – rapidamente percebeu que o Brasil deveria observar com atenção às notáveis transformações em curso naquela região do mundo. Com esse propósito, Porto de Oliveira decidiu publicar um boletim periódico intitulado “Cartas de Singapura” relatando e discutindo os principais desenvolvimentos em curso nos países emergentes da região, que eram chamados de “Tigres Asiáticos”. Seus relatos revelavam um particular interesse pelas políticas desses países voltadas para o estímulo do crescimento, da educação e do desenvolvimento tecnológico. Infelizmente seu esforço e seu entusiasmo em fazer publicar o boletim não foram suficientes para sensibilizar os governantes ou os líderes industriais no Brasil. Na realidade, nem mesmo os pesquisadores das universidades e dos “think tanks” brasileiros se sensibilizaram com os argumentos de Porto de Oliveira.
O Mercosul se afigura também um caso ilustrativo dessa forma de os governantes brasileiros verem e abordarem a globalização. A iniciativa era predominantemente vista como um instrumento capaz de aumentar a capacidade de “proteger o País contra a globalização”. Na realidade, para as autoridades e também para muitos pesquisadores brasileiros a globalização era vista como uma nova retórica de dominação das economias mais poderosas. Em outras palavras, a globalização era vista muito mais como ameaça do que simplesmente como uma nova ordem econômica que emergia trazendo consigo novos problemas e também novas oportunidades. Outro exemplo dessa forma de ver as tendências na ordem internacional com suspeição é o caso que ficou conhecido como “Consenso de Washington” que, em muitos círculos no Brasil e em alguns países da América Latina, tornou-se uma espécie de demônio a ser combatido. Nas economias emergentes da Ásia, no entanto, não se prestou grande atenção ao assunto e o Consenso de Washington foi tratado em seus limitados termos, isto é, como simples recomendações para facilitar a integração das economias emergentes aos fluxos de comércio e de investimentos na ordem econômica mundial. Na realidade, muito antes de John Williamson ter popularizado a expressão, as economias emergentes da Ásia já tinham adotado a maioria das recomendações contidas no Consenso de Washington.
A retórica e os fatos diante das questões atuais
Atualmente, observa-se um grande consenso mundial em relação à necessidade de promover a proteção ambiental e à mitigação do processo de mudança climática. Em relação a essas questões há também um amplo consenso de que a produção de energia desempenha um papel crucial e que, em consequência, desenvolver o uso de energias limpas deveria fazer parte de qualquer política de desenvolvimento econômico e social. Mesmo aqueles que permanecem céticos a respeito das causas e até dos fenômenos do aquecimento global, reconhecem que os padrões atuais de consumo e de produção energética e industrial são insustentáveis no médio e longo prazos e que, portanto, todas as sociedades deveriam investir na mudança de seus padrões tecnológicos de produção de energia. As autoridades no Brasil, no entanto, insistem em seguir em direção diferente. Na realidade, a retórica a favor de tecnologias limpas tem sido forte, mas a realidade é bem diferente.
Em todos os centros industriais do mundo – da Escandinávia à China, e dos EUA à Oceania – políticas públicas e grandes projetos de pesquisa e desenvolvimento estão sendo desenvolvidos com vistas à adoção de sistemas de geração de energia baseados em fontes de energia não tradicionais. No Brasil, neste início de milênio, os investimentos mais significativos continuam sendo em usinas termoelétricas movidas a petóleo e em grandes hidroelétricas. Por outro lado, por mais irônico que possa parecer, países como Suécia, Países Baixos e Alemanha são grandes investidores em energia solar enquanto o Brasil, um país notavelmente dotado de radiação solar pela natureza, os investimentos na exploração dessa fonte de energia têm sido insignificantes. Por exemplo, de acordo com dados recentes, enquanto na matriz energética da Alemanha a energia solar representa cerca de 7%, no Brasil, o consumo de energia produzida por células fotovoltaicas representa apenas 0,02% do total. Em termos de energia eólica, os dados são um pouco melhores mas, mesmo assim, muito abaixo do potencial a ser explorado. Segundo esses dados, enquanto a energia eólica representa 6,2% do consumo energético no Brasil, na Alemanha os dados mostram que mais de 13% do consumo de energia elétrica vêm dos parques eólicos.
Ficando para trás até quando?
Infelizmente, ao se observar os dados e as políticas adotadas ao longo das duas últimas décadas, as perspectivas para o futuro próximo não parecem muito animadoras. Autoridades e mesmo muitos analistas parecem continuar olhando para o mundo como uma realidade a ser ignorada, ou pior, a ser presunçosamente modificada. Com efeito, a velha visão “inward looking” parece continuar a prevalecer e as políticas discutidas ou propostas continuam a ser baseadas na presunção de que as forças em ação no meio internacional não são importantes e não deveriam influenciar a economia e a política brasileira.
Já se tornou parte da história e do folklore internacional contemporâneo a frase atribuída a Deng Xiaoping de que “não importa se o gato é branco ou pardo, desde que apanhe os ratos” simbolizando a notável mudança ocorrida na China, pondo um fim ao período revolucionário feito de ideologia, violência e isolamento da ordem internacional. Na realidade, em termos morais, o pragmatismo não deixa de ser uma forma de humildade, pois implica o reconhecimento de que o mundo é uma realidade abrangente, difícil de ser compreendida e demasiadamente grande para ser mudada por mãos humanas. Infelizmente, no Brasil, apesar de seus pobres resultados obtidos nas últimas décadas, continua prevalecendo a visão feita da estranha mistura de orgulho, desconfiança e medo em relação ao meio internacional.
26 de dezembro de 2017
Eiiti Sato é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
No início da década de 1980 o produto per capita da China era dez vezes menor do que o do Brasil e hoje são praticamente iguais e, além disso, as taxas de crescimento da China permanecem substantivamente mais elevadas do que no Brasil. Recentemente um seminário internacional destacou em seu relatório que “dois anos atrás o Brasil ocupava a 23ª. posição no ‘The Soft Power 30’, um sistema de classificação que mede ‘o poder da nação em relação a outras nações’ em termos de influência internacional, parcerias regionais, índices de desenvolvimento humano e outros recursos de ‘soft power’. Este ano o Brasil caiu para a 29ª posição revelando uma gradual erosão de seu soft power.” Obviamente muitas razões podem ser apontadas como explicação para esse baixo desempenho da economia brasileira.
Este artigo propõe-se explorar uma dessas razões que se afigura notavelmente importante: desde o “milagre econômico” da segunda metade da década de 1960 e início da década de 1970, o Brasil caracterizou-se por manter uma abordagem equivocada da economia internacional. De fato, pode-se dizer que ao longo das últimas quatro décadas o Brasil vem dirigindo na contra mão da economia mundial.
O Brasil tem uma longa tradição de ser uma nação notavelmente “inward looking” e, em razão de uma estranha combinação de orgulho, suspeição e medo, em várias circunstâncias o Brasil tem agido contrariamente às tendências da economia mundial. Com efeito, ao longo das últimas décadas, em vários momentos, os governantes brasileiros decidiram desenvolver políticas públicas substancialmente diferentes de outros países, sempre argumentando que o Brasil era um país diferente e que tinha muitas necessidades peculiares e que, assim, demandava políticas públicas diferentes, em especial em relação aos países mais industrializados e desenvolvidos.
O Brasil diante do embargo do petróleo e da crise da dívida externa
Na década de 1970, a crise do petróleo trouxe inflação e incertezas para a economia mundial e a grande maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, a Europa e vários países em desenvolvimento, adotou políticas duras para conter o consumo de petróleo. O governo brasileiro, no entanto, decidiu não seguir a tendência mundial. Ao contrário, os dados do período mostram que, ao longo dos piores anos da crise, a importação e o consumo de petróleo cresceram de forma contínua. À época, o Brasil importava cerca de 90% do petróleo consumido e a maior parte dessas importações vinha dos países do Oriente Médio. Às vésperas do desencadeamento da crise, os preços do petróleo no Mercado internacional giravam em torno de US$2.50 p/barril e, ao final da década de 1970, o barril de petróleo atingia US$30.00, mas o governo brasileiro insistia em não tomar medidas de ajuste alegando, entre outras, as seguintes razões: a) reduzir o consumo de petróleo iria significar a interrupção do crescimento econômico; b) o petróleo havia se tornado um insumo essencial para toda a economia e, assim, o governo deveria garantir por todos os meios o fornecimento dessa matéria prima; c) elevar os preços da gasolina e do óleo diesel seria muito arriscado para a estabilidade do governo. Havia outros argumentos baseados em razões sociais e econômicas, mas os resultados não poderiam outros que não um pesado endividamento. Talvez o governo brasileiro não estivesse totalmente errado, mas com toda certeza, foi longe demais em suas decisões e comprometeu por anos a sanidade e o potencial de crescimento da economia brasileira.
O problema da dívida externa atormentou o Brasil e muitos outros países em desenvolvimento ao longo da década de 1980, no entanto a crise da dívida do Terceiro Mundo era parte de um fenômeno mais profundo que, na verdade, estava produzindo uma nova ordem econômica internacional que ficaria conhecida como globalização. No Brasil, o fim da década de 1980 coincidiu com o fim do regime militar, mas esse fato não significou o abandono dos velhos padrões caracterizados pela visão “inward looking” e pela economia fechada ao comércio e às finanças internacionais. O fenômeno da globalização foi um processo bastante complexo que apresentava dois aspectos notavelmente importantes: primeiro, a crescente integração dos mercados internacionais e da produção industrial em escala global e, segundo, a perda de relevância das fontes oficiais de recursos para investimentos diante das dimensões que assumiam as poupanças privadas disponíveis nas empresas, nos bancos e nos fundos de investimento privados. Nesse cenário, os caminhos tomados pelos governantes brasileiros foi, predominantemente, no sentido de opor-se à globalização ao invés de procurar compreender apropriadamente esse processo em seus problemas e também em termos de oportunidades nascentes para o comércio e para os fluxos financeiros.
Lutando contra a globalização
Essa forma de abordar a globalização pode ser vista comparando-se a forma como Brasil e Coréia decidiram estimular o desenvolvimento da indústria da informática. No início a década de 1980, tanto no Brasil quanto na Coréia, os governantes decidiram que a indústria da informática era estratégica para a indústria e para o futuro da nação. No Brasil, produziu-se uma lei que fechava completamente o mercado brasileiro para a importação de computadores e de quaisquer produtos de informática. Essa lei foi aprovada com o suporte de grupos nacionalistas presentes nos partidos políticos de esquerda, nas forças armadas, nos meios acadêmicos e também nas associações industriais. Como justificativa para essa lei radicalmente protecionista estava a idéia de que em uma indústria de importância tão estratégica o Brasil deveria ser alto-suficiente para evitar qualquer forma de dependência externa. A Coréia, no entanto, adotou um curso de ação completamente diferente. Seus governantes decidiram que a melhor estratégia para desenvolver uma pujante indústria de informática seria integrando a indústria coreana, ainda incipiente, à indústria mundial da informática dominada pelas grandes corporações mundiais dos EUA, da Europa e do Japão. Parece desnecessário discutir e detalhar os diferentes resultados obtidos na matéria pela Coréia e pelo Brasil.
Nos fins da década de 1980, Amaury Porto de Oliveira – Embaixador do Brasil em Singapura – rapidamente percebeu que o Brasil deveria observar com atenção às notáveis transformações em curso naquela região do mundo. Com esse propósito, Porto de Oliveira decidiu publicar um boletim periódico intitulado “Cartas de Singapura” relatando e discutindo os principais desenvolvimentos em curso nos países emergentes da região, que eram chamados de “Tigres Asiáticos”. Seus relatos revelavam um particular interesse pelas políticas desses países voltadas para o estímulo do crescimento, da educação e do desenvolvimento tecnológico. Infelizmente seu esforço e seu entusiasmo em fazer publicar o boletim não foram suficientes para sensibilizar os governantes ou os líderes industriais no Brasil. Na realidade, nem mesmo os pesquisadores das universidades e dos “think tanks” brasileiros se sensibilizaram com os argumentos de Porto de Oliveira.
O Mercosul se afigura também um caso ilustrativo dessa forma de os governantes brasileiros verem e abordarem a globalização. A iniciativa era predominantemente vista como um instrumento capaz de aumentar a capacidade de “proteger o País contra a globalização”. Na realidade, para as autoridades e também para muitos pesquisadores brasileiros a globalização era vista como uma nova retórica de dominação das economias mais poderosas. Em outras palavras, a globalização era vista muito mais como ameaça do que simplesmente como uma nova ordem econômica que emergia trazendo consigo novos problemas e também novas oportunidades. Outro exemplo dessa forma de ver as tendências na ordem internacional com suspeição é o caso que ficou conhecido como “Consenso de Washington” que, em muitos círculos no Brasil e em alguns países da América Latina, tornou-se uma espécie de demônio a ser combatido. Nas economias emergentes da Ásia, no entanto, não se prestou grande atenção ao assunto e o Consenso de Washington foi tratado em seus limitados termos, isto é, como simples recomendações para facilitar a integração das economias emergentes aos fluxos de comércio e de investimentos na ordem econômica mundial. Na realidade, muito antes de John Williamson ter popularizado a expressão, as economias emergentes da Ásia já tinham adotado a maioria das recomendações contidas no Consenso de Washington.
A retórica e os fatos diante das questões atuais
Atualmente, observa-se um grande consenso mundial em relação à necessidade de promover a proteção ambiental e à mitigação do processo de mudança climática. Em relação a essas questões há também um amplo consenso de que a produção de energia desempenha um papel crucial e que, em consequência, desenvolver o uso de energias limpas deveria fazer parte de qualquer política de desenvolvimento econômico e social. Mesmo aqueles que permanecem céticos a respeito das causas e até dos fenômenos do aquecimento global, reconhecem que os padrões atuais de consumo e de produção energética e industrial são insustentáveis no médio e longo prazos e que, portanto, todas as sociedades deveriam investir na mudança de seus padrões tecnológicos de produção de energia. As autoridades no Brasil, no entanto, insistem em seguir em direção diferente. Na realidade, a retórica a favor de tecnologias limpas tem sido forte, mas a realidade é bem diferente.
Em todos os centros industriais do mundo – da Escandinávia à China, e dos EUA à Oceania – políticas públicas e grandes projetos de pesquisa e desenvolvimento estão sendo desenvolvidos com vistas à adoção de sistemas de geração de energia baseados em fontes de energia não tradicionais. No Brasil, neste início de milênio, os investimentos mais significativos continuam sendo em usinas termoelétricas movidas a petóleo e em grandes hidroelétricas. Por outro lado, por mais irônico que possa parecer, países como Suécia, Países Baixos e Alemanha são grandes investidores em energia solar enquanto o Brasil, um país notavelmente dotado de radiação solar pela natureza, os investimentos na exploração dessa fonte de energia têm sido insignificantes. Por exemplo, de acordo com dados recentes, enquanto na matriz energética da Alemanha a energia solar representa cerca de 7%, no Brasil, o consumo de energia produzida por células fotovoltaicas representa apenas 0,02% do total. Em termos de energia eólica, os dados são um pouco melhores mas, mesmo assim, muito abaixo do potencial a ser explorado. Segundo esses dados, enquanto a energia eólica representa 6,2% do consumo energético no Brasil, na Alemanha os dados mostram que mais de 13% do consumo de energia elétrica vêm dos parques eólicos.
Ficando para trás até quando?
Infelizmente, ao se observar os dados e as políticas adotadas ao longo das duas últimas décadas, as perspectivas para o futuro próximo não parecem muito animadoras. Autoridades e mesmo muitos analistas parecem continuar olhando para o mundo como uma realidade a ser ignorada, ou pior, a ser presunçosamente modificada. Com efeito, a velha visão “inward looking” parece continuar a prevalecer e as políticas discutidas ou propostas continuam a ser baseadas na presunção de que as forças em ação no meio internacional não são importantes e não deveriam influenciar a economia e a política brasileira.
Já se tornou parte da história e do folklore internacional contemporâneo a frase atribuída a Deng Xiaoping de que “não importa se o gato é branco ou pardo, desde que apanhe os ratos” simbolizando a notável mudança ocorrida na China, pondo um fim ao período revolucionário feito de ideologia, violência e isolamento da ordem internacional. Na realidade, em termos morais, o pragmatismo não deixa de ser uma forma de humildade, pois implica o reconhecimento de que o mundo é uma realidade abrangente, difícil de ser compreendida e demasiadamente grande para ser mudada por mãos humanas. Infelizmente, no Brasil, apesar de seus pobres resultados obtidos nas últimas décadas, continua prevalecendo a visão feita da estranha mistura de orgulho, desconfiança e medo em relação ao meio internacional.
26 de dezembro de 2017
Eiiti Sato é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
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