"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 24 de dezembro de 2016

COMBINAR COM OS RUSSOS

RIO DE JANEIRO - Diz a lenda que, pouco antes do jogo Brasil x URSS pela Copa do Mundo de 1958, na Suécia, Vicente Feola, o treinador brasileiro, reuniu seus jogadores no vestiário e traçou a estratégia que, com a bola de pé em pé pelo nosso ataque no meio da defesa russa, levaria ao primeiro gol do Brasil. Não tinha erro — a jogada era mortal. De repente, Garrincha perguntou a Feola: "Mas o senhor já combinou com os russos?".

Desde então, estabeleceu-se que, antes de qualquer decisão importante, não importa o assunto, é bom primeiro combinar com os russos. Mesmo assim, é raro o dia em que alguém por aqui não se dê mal justamente por isto – por não ter combinado com os russos.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidiu pelo afastamento do senador Renan Calheiros da presidência do Senado e, horas depois, teve o desprazer de ver sua medida derrubada pelo plenário do STF. Ele não combinou com os russos — digo, seus colegas. Na sequência, o presidente Michel Temer nomeou o tucano Antonio Imbassahy para a Secretaria de Governo, no lugar do solerte Geddel Vieira Lima, e teve de recuar os alfes ao ver sua decisão mal recebida pelo grupo político que o apoia. Não foi surpresa – Temer nunca se lembra de combinar com os russos.

A expressão é boa, mas a história de Garrincha não aconteceu e ele nunca disse a frase. Para meu livro "Estrela Solitária", sobre a vida do jogador, conversei com quatro pessoas presentes naquele vestiário em 1958: o preparador físico Paulo Amaral e os jogadores Bellini, Didi e Nilton Santos. Todos me disseram que Garrincha sequer foi chamado a ouvir a preleção — porque não adiantava, só fazia o que lhe dava na cabeça.

O que não quer dizer que, na vida real, não se deva combinar com os russos. A menos, claro, que você seja o Garrincha.



24 de dezembro de 2016
Ruy Castro, Folha de SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário