Charge do Alpino, reprodução do Yahoo |
Sérgio Cabral foi o governador mais maléfico do Estado do Rio de Janeiro, sem a menor comparação com seus antecessores. Altamente corrupto, ficou milionário com uma facilidade espantosa e começou a pensar longe. Seu delírio era chegar à Presidência da República, tendo como principal plataforma eleitoral a criação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), um programa de enorme potencial em termos de marketing político, que logo começou a ser implantado também por outros governadores.
APLAUSOS DA MÍDIA – O revolucionário programa das UPPs foi criado no fim de 2008, sob aplausos de toda a mídia e das mais diferentes instituições estaduais, incluindo as associações de moradores de favelas e bairros, as entidades empresariais e os movimentos sociais.
O projeto das UPPs se tornou muito popular, era consensual, não havia críticas. Ninguém percebia que se tratava de uma grande farsa. Na verdade, não havia pacificação de nenhuma favela nem combate aos narcotaficantes. Era tudo um jogo de faz-de-conta, arquitetado por Sérgio Cabral para se projetar nacionalmente, e o plano tinha tudo para dar certo.
FALA O ESPECIALISTA – Na época, tive oportunidade de entrevistar o delegado Manoel Vidal, que tinha sido Chefe de Polícia no governo Marcello Alencar e era (e ainda é) considerado a maior referência da corporação, um verdadeiro mito. Indaguei sobre o programa das UPPs e a resposta foi surpreendente: “É aparentemente perfeito, mas inviável”. E explicou:
“É muito difícil combater o crime nas favelas, porque elas são encadeadas. O Grande Rio tem mais de mil favelas. Se você sobrevoar a cidade de helicóptero, verá que um número enorme de favelas está ligado a outras comunidades. Quando a polícia sobe por um lado, eles descem pelo outro”.
E a conclusão foi impactante: “Não há dinheiro para fazer e manter centenas de UPPs. Trata-se de um programa apenas de efeito eleitoral. Na prática, nada muda, o tráfico de drogas e a criminalidade não serão afetados”.
HELIO FERNANDES EM AÇÃO – Diante dessa explicação de um dos maiores conhecedores da política estadual de segurança, passei a pesquisar a situação e constatei que a análise do delegado Manoel Vidal estava absolutamente certa.
Nessa época (final de 2008), a “Tribuna da Imprensa” tinha parado de circular. Tentei publicar a reportagem em outro jornal ou revista, mas ninguém se interessou, porque o programa das UPPs era realmente muito popular, os outros jornalistas não acreditaram, julgaram que eu estava delirando.
Em 2009, a pedido do advogado Luiz Nogueira, que defendia (e ainda defende) a “Tribuna da Imprensa” e Helio Fernandes, lancei este blog, para que o decano da Imprensa brasileira não parasse de escrever. Havia patrocínio e o editor era o excelente jornalista Antonio Caetano. Eu também atuava no blog, mas escrevia pouco, porque estava envolvido em outras atividades. Só passei a editar a “Tribuna da Imprensa” (que depois virou “Tribuna da Internet”) quando o patrocínio foi suspenso e o blog ia sair do ar.
Em dezembro de 2009, entreguei a Helio Fernandes as informações que havia colhido e em dezembro de 2009 ele fez um artigo bombástico, denunciando a fraude de Sergio Cabral.
ACORDO COM OS TRAFICANTES – O título do artigo de Helio Fernandes já dizia tudo: “A pacificação das favelas não passa de um acordo entre o governador e os traficantes, que podem trabalhar livremente, desde que não intimidem os moradores.
Com base nas minhas informações, o grande jornalista mostrou que a política de “pacificação” das favelas não passava de uma manobra eleitoreira de Cabral, que incluía um incrível e espantoso acordo entre as autoridades estaduais e os traficantes que atuavam (e continuam atuando) nessas comunidades carentes. Escreveu Helio Fernandes:
O acordo está “firmado” sob as seguintes cláusulas: 1 – Os traficantes somem com as armas da favela, com os “soldados” de máscaras ninjas, com os olheiros e tudo o mais. 2 – A PM entra na favela, sem enfrentar resistência, ocupa os pontos que bem entender, mas não invade nenhuma casa, nenhum barraco, e não prende ninguém, pois não “acha” traficantes ou criminosos. 3 – A favela é tida como “pacificada”, não existem mais marginais circulando armados, os moradores não sofrem mais intimidações, não há mais balas perdidas. 4 – Em compensação, o tráfico fica liberado, desde que feito discretamente, sem muita movimentação.
SEM DISPARAR UM SÓ TIRO – De súbito, o governador Cabral e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, pareciam ter conseguido resolver um dos maiores problemas da atualidade – a violência e o tráfico de drogas nos guetos das grandes cidades, um dos maiores desafio da Era Moderna.
O mais incrível: na ocupação das favelas não foi disparado um único e escasso tiro, os traficantes e seus “soldados” de máscaras ninjas não lançaram uma só granada, um solitário morteiro, não acionaram lanças-chamas, mísseis portáteis, rifles AR-15 e M-16, submetralhadoras Uzi, nada, nada.
Não houve uma só troca de tiros, porque havia o acordo entre os traficantes e o governador, que teve a desfaçatez de vir a público e proclamar, textualmente: “Dei prazo de 48 horas para os traficantes deixarem o Cantagalo-Pavão-Pavãozinho!”
Como é que é? O governador esteve como os traficantes, “cara-a-cara”, e fez o ultimato? Ou mandou recado por algum amigo comum? Como foi o procedimento? Ninguém sabe. O que se sabe é que Cabral alardeava que, em todas as favelas onde a PM instalou UPPs, os traficantes e criminosos simplesmente sumiram, assustados, amedrontados, apavorados. Seria bom se fosse verdade…
E O GLOBO ACORDOU… – O artigo de Helio Fernandes plantou a dúvida. Dois anos depois, em 2011, O Globo publicou uma página inteira em sua seção “Logo” (que era uma espécie de “pensata”, organizada por nosso amigo Arnaldo Bloch), ironizando a facilidade com que as favelas teriam sido “pacificadas”. Depois, mais uma vez O Globo, em reportagem de Vera Araújo, comprovou que a denúncia da “Tribuna” estava correta. Sob o título “Feirão de drogas desafia UPP”, com fotos impressionantes na Cidade de Deus, a matéria mostrava que o tráfico de drogas estava e sempre esteve liberado, exatamente como Helio Fernandes afirmara.
E somente agora, cinco anos depois, realmente vem à tona o fracasso das UPPs, e o secretário Beltrame, cúmplice de Cabral na farsa, enfim joga a toalha, depois de passar dez anos acumulando as elevadas remunerações de delegado sênior da Polícia Federal e Secretário de Segurança. Em novembro e dezembro de 2010, por exemplo, recebeu 53 499 reais e 60 912 reais, respectivamente, muito acima do teto do Supremo. De lá para cá, é claro, esse valor só fez aumentar. E cai o pano.
14 de outubro de 2016
Carlos Newton
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