"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

JANOT NA RETA FINAL

Procurador corre contra o relógio. Partidos reagem com projetos para minar investigações e restringir as delações, como aconteceu na ‘Mãos Limpas’ italiana

Janot corre para evitar que ações inviabilizem a Lava-Jato e favoreçam políticos. Ojantar na embaixada italiana estava no fim, quando a vice-presidente da Câmara dos Deputados da Itália, Marina Sereni, virou-se para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e perguntou:

— O senhor já sabe quando e como é que vai encerrar essa investigação?

— Não entendi — retrucou Janot, num evidente abuso da sua mineirice. — Mas está meio prematuro para a gente pensar nisso.

— Não estou pedindo pressa — devolveu a deputada, com simpático sorriso. — Estou pedindo é para que vocês aprendam com o que aconteceu na Itália e se organizem para encerrar essa investigação, quando os resultados que pretendem chegarem a bom termo. Janot ajeitou os óculos. A deputada, líder da centro-esquerda na região de Umbria, se manteve incisiva:

— Porque ou vocês encerram essa investigação ou pessoas de fora irão encerrá-la. É melhor que mantenham o controle do processo e que planejem o encerramento.

Na próxima semana, Janot completa 60 anos de idade e inicia o último ano de seu mandato no comando da Procuradoria-Geral da República. A recente conversa com a deputada Sereni não lhe sai da cabeça. Tem bons motivos.

O principal é a reação organizada às investigações sobre corrupção, à semelhança do ocorrido na Itália, nos anos 90, quando o juiz Antonio Di Prieto chefiou inquérito sobre uma rede de corrupção política e empresarial italiana, no caso conhecido como Operação Mãos Limpas.

No Congresso, em Brasília, PT, PMDB, PP, DEM e PSDB aceleram a tramitação de duas dezenas de projetos para novas leis com o objetivo de reduzir a autonomia do Ministério Público; neutralizar a colaboração premiada; dificultar acordos de leniência; ampliar recursos judiciais sobre prisões; condicionar abertura de inquéritos no Supremo, no Superior Tribunal de Justiça e no Ministério Público; ampliar o sigilo e anular processos quando divulgados. Querem, entre outras coisas, restringir benefícios da colaboração premiada a quem apresente “bons antecedentes”, embora uma delação só possa ser feita, por razões óbvias, por quem participa de crime. Tentam instituir novos mecanismos de efeitos suspensivos e de reclamações em processos, além de criar formas para adiamento de aplicação de sentenças. Avançam em negociações sobre formas de anistia a partidos sob investigação e de evitar punições a políticos acusados lavar dinheiro de corrupção no financiamento eleitoral.

A reação era previsível num Congresso em que um em cada três parlamentares está ou se acha ameaçado por inquéritos sobre corrupção. A novidade é que perceberam uma oportunidade na insistência do Ministério Público sobre o “pacote” de projetos anticorrupção para corrigir ambiguidades na legislação vigente. O argumento virou armadilha.

Foi assim na Itália, lembrou o antigo chefe da Mãos Limpas em conversa com o condutor da Lava-Jato, mês passado, em Brasília. Di Pietro contou que, num dia, contou 463 projetos com o objetivo de minar as investigações:

— Espero que vocês aqui consigam melhores resultados — disse a Janot.

O procurador-geral já abriu inquéritos contra 54 pessoas com foro especial, incluindo quatro ex-presidentes (Dilma, Lula, Sarney e Collor). Agora, corre contra o relógio. Restam-lhe 54 semanas para se organizar e evitar que terceiros encerrem a investigação, como previa a deputada italiana Marina Sereni.


06 de setembro de 2016
José Casado, O Globo

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