"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

UM BALANÇO DAS ILUSÕES PERDIDAS




O texto abaixo é um resumo da entrevista concedida por Eric Hobsbawn ao jornalista e escritor Geneton Moraes Neto, publicado no livro “Dossiê Moscou”, de sua autoria, editado pela Geração Editorial.

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Eric Hobsbawn, o mais importante historiador marxista do Século XX, faz um balanço das ilusões perdidas em entrevista concedida em Londres ao autor do livro “Dossiê Moscou”.

Órfãos de Marx, saudosistas do socialismo, parem de chorar, porque o que sumiu na poeira da História foi o chamado “socialismo real”, um equívoco cinzento feito à base do partido único. Estado onipotente, arte demagógica e imprensa oficialesca. Mas, desfeito o equívoco, abre-se agora um vasto espaço para o sonho, território livre para novas utopias. Quem garante é o historiador que conseguiu se transformar em guru dos historiadores, o marxista que fez a autópsia do socialismo, o britânico Eric Hobsbawn.

O historiador nasceu em 1917, ano em que Lenin escreveu a palavra bolchevique na História da Rússia. Quando ainda usava calças curtas, Hobsbawn virou comunista – se é que um menino de 14 anos é capaz de enumerar três diferenças razoáveis entre “centralismo democrático” e pudim de chocolate -. Passado o vendaval, ele faz uma avaliação sincera das ilusões que viveu.

Hobsbawn com a palavra:


Minha maior ilusão política foi acreditar que a União Soviética poderia ser uma alternativa de desenvolvimento para o Ocidente. Mas, principalmente depois dos anos 50 e 60, ficou claro que o socialismo soviético não iria cumprir suas promessas e nem realizar suas potencialidades. A partir daí, muitos – como eu – deixaram de acreditar no que tinham acreditado quando jovens.

Perguntado se o marxismo morreu, Hobsbawn - depois de longa pausa - respondeu que não, pois a crítica essencial que Marx fez ao capitalismo é válida ainda hoje. Não há dúvida, entretanto, que grande parte das crenças do marxismo(Azambuja colocou em negrito) já não pode ser considerada válida.

Não lamento ter apoiado os governos soviéticos, pois sem a União Soviética o capitalismo não teria sido reformado, e sem a União Soviética não teríamos vencido a Segunda Guerra. Os que, no Ocidente, foram marxistas ou apoiaram o movimento comunista, não têm do que se lamentar, pois estavam apenas querendo alcançar, em seus próprios países, objetivos que eram bons. Quando tiveram a chance de mudar os seus países, mudaram para melhor, mas, para tanto, pediram o apoio de um regime que impôs um enorme sofrimento ao povo russo – mais do que a qualquer povo.

A falta de liberdade foi o pecado capital do socialismo, particularmente para os intelectuais, e acreditar que a economia poderia ser operada inteiramente através de um planejamento centralizado, sem a atuação dos elementos de marcado. O que existia, basicamente, era um exagero do papel do Estado Central como arquiteto da nova sociedade.

Marx disse, em relação às suas teorias, que o importante não era interpretar o mundo, mas modificá-lo. Ficou provado que é mais difícil modificar o mundo através das linhas de análise marxista do que interpretá-lo.

Além de tudo, o desenvolvimento dos partidos socialistas foi profundamente influenciado – e distorcido – pelo fato do marxismo ter tomado o Poder na Rússia. O que aconteceu? A União Soviética dominou por anos e anos o desenvolvimento do marxismo e do movimento comunista internacional, o que acabou provocando uma divisão – mais negativa do que perigosa – entre as duas facções do marxismo: os social-democratas e reformistas de um lado, e os comunistas e revolucionários de outro.

Não acredito que o marxismo tenha falhado na explicação do desenvolvimento da História. A contribuição do marxismo permanece essencial. O que haverá é um marxismo modificado. A crença(Azambuja colocou em negrito) dos marxistas na determinação única do desenvolvimento econômico provou ser inadequada. Deve-se levar em conta a análise de fatores como a cultura e as idéias.

O “socialismo real” – tal como o tivemos até a poucos anos – não vai voltar. Mas há lugar para uma nova tentativa de construir uma sociedade de liberdade e de igualdade, em que os seres humanos terão a chance de desenvolver todas as suas capacidades.

O fim do socialismo deixou um enorme vazio. Hoje, um grande número dos que poderiam estar na esquerda – seja a esquerda socialista, seja a esquerda revolucionária – não sabe em quem acreditar.

Ficou um vasto espaço para o sonho. Mas também há o perigo de que esse espaço seja preenchido por um tipo errado de sonhos: por sonhos nacionalistas, por sonhos racistas, por sonhos de ressurreição de religiões fundamentalistas. De qualquer maneira, problemas como a pobreza e a desigualdade, cada vez mais presentes no desenvolvimento global da economia. assumem uma tal proporção que haverá certamente espaço para movimentos políticos que tentem resolvê-los.

É possível que a desilusão das esquerdas dê lugar a novos sonhos num futuro próximo, mas, felizmente, historiadores não são profetas. Os historiadores só tratam do passado. Alguns fizeram previsões que provaram ser inexatas.

Uma pergunta do autor do texto: Quem é Eric Hobsbawn por Eric Hobsbawn? Tudo o que posso dizer é que tenho tentado ver como, num determinado período da História, as coisas se juntam para formar um todo porque existe, sim, uma conexão entre as diferentes partes da vida.

Emocionalmente, pertenço a uma geração ligada por um quase inquebrantável cordão umbelical à esperança de uma revolução mundial, não importa o quão cética ou crítica diante da União Soviética.

Segundo o autor deste texto – o jornalista Geneton Moraes Neto -, o professor Kenneth R, Minogue, titular da cadeira de Ciência Política da Lonfon School of Economics, assinalou que é notável a simplicidade de gente que acredita que um intelectual alemão – escrevendo em 1848 – possa entender a essência do mundo moderno. A um amigo que quisesse entender as tentações do totalitarismo, eu recomendaria que lesse o Manifesto Comunista e ouvisse aquela canção do musical Cabaret chamada “Tomorrow Belongs to Me” (O Amanhã me Pertence). Tanto o Manifesto como a canção exibem um belo otimismo e uma simplicidade de raciocínio que terminam levando à morte e à destruição.

Hobsbawn resume em três linhas, no parágrafo final do livro autobiográfico “Interesting Times”, o que sente no início do Século XXI: “Não nos desarmemos, ainda que os tempos sejam insatisfatórios. A injustiça social ainda precisa ser denunciada e combatida. O mundo não ficará melhor por conta própria”.

Em algum recanto escuro do estranho museu aberto perto do prédio da KGB, Maiakovski continua gritando: “Daí-nos, companheiros, uma arte nova. Nova! - que arranque a República da escória!”
A legião de órfãos de Marx poderia reescrever Maiakovski: “Daí-nos, Século XXI, uma utopia nova!”

Eric Hobsbawn faleceu em 1 de outubro de 2012, no Royal Free Hospital, Londres, Reino Unido, aos 95 anos.

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É interessante observar que Eric Hobsbawn, o mais importante historiador marxista do Século XX, ao se referir à pretensa doutrina científica – o marxismo-leninismo – assinalou, e repetiu, que ela é uma CRENÇA!



15 de agosto de 2016
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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