"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 14 de agosto de 2016

LAVA JATO SIGNIFICA UMA MUDANÇA DRÁSTICA NO BRASIL, DIZ JUIZ NORTE-AMERICANO



Messite elogia a luta de Sérgio Moro contra impunidade





















Juiz federal no Estado de Maryland, nos Estados Unidos, o americano Peter Messitte diz que o julgamento do mensalão e a Operação Lava Jato deixaram para trás os tempos em que escândalos de corrupção política terminavam em pizza no Brasil. “Por muito tempo os brasileiros reclamaram da impunidade, e muitos achavam que era algo com que se devia conviver”, ele diz em entrevista à BBC Brasil. “Isso mudou.”
Segundo ele, a atuação do juiz Sergio Moro e dos procuradores e policiais federais da Operação Lava Jato é citada em conferências globais como um exemplo do que pode ser feito contra a corrupção. Messitte criou laços com o Brasil na década de 1960, quando passou dois anos fazendo trabalho voluntário em São Paulo e aprendeu português. Desde então, visitou o país várias vezes e se tornou um dos maiores especialistas estrangeiros no Judiciário brasileiro.
Ele conheceu o juiz Sergio Moro em julho, quando ambos participaram de um evento no Wilson Center, em Washington, e almoçaram na American University, onde Messitte dirige o Programa de Estudos Legais e Judiciais Brasil-EUA.
Em 2008, o senhor disse numa palestra sobre corrupção no Brasil que “talvez tenha ficado para trás o tempo em que tudo terminava em pizza”. A previsão estava certa? Obviamente as coisas mudaram, e o cenário hoje é bem diferente. A forma como os casos do mensalão e da Lava Jato emergiram representam avanços significativos na luta contra a corrupção política. Vocês estão encontrando malfeitores, e em muitos casos eles têm sido julgados e condenados. É um caminho irreversível. O público está disposto a sair às ruas. Não é mais provável que as coisas acabem em pizza hoje ou no futuro. É uma mudança drástica.
Juízes e advogados nos EUA acompanham a Lava Jato?A maioria dos juízes e advogados entende que houve acusações de corrupção massiva no Brasil, que houve denúncias e confissões. Há muitas conferências e atividades anticorrupção acontecendo pelo mundo, com envolvimento do Banco Mundial e entidades como a Transparência International. A atuação do juiz Moro, do Ministério Público e da Polícia Federal na Lava Jato sempre aparece como um exemplo do que pode ser feito.
Como compara o caso do mensalão e a Lava Jato?Eles são um pouco diferentes pela natureza da corrupção. O mensalão eram pagamentos por um partido a políticos no Congresso. Na Lava Jato, há mais atores envolvidos. Nos dois casos, vemos o começo do uso da delação premiada contra o crime organizado no Brasil. Houve algumas delações no mensalão e muitas na Lava Jato. É um desenvolvimento importante. E a Lava Jato está sendo muito mais rápida. No mensalão, passaram-se muitos anos até o caso chegar ao Supremo. Na Lava Jato, muitas sentenças já saíram em dois anos. A principal mudança foi a prisão preventiva. Muitos acusados na Lava Jato foram postos na prisão antes do julgamento. Isso realmente aumentou a pressão sobre eles para que fechassem acordos, cooperassem e depusessem contra outros para sair da prisão mais cedo. Isso não aconteceu tanto no mensalão. Há críticas a serem feitas, se a prisão preventiva pode ser uma ferramenta para estimular pessoas a fazer delação premiada. Muitos questionam isso do ponto de vista constitucional.
Tem havido abuso no uso das prisões preventivas?Se a pessoa pode fugir, contribuir para a continuação das atividades criminosas ou destruir provas, há uma boa razão para prendê-la antes do julgamento. Esse deve ser o critério. Não tenho razões para acreditar que o juiz Moro esteja usando as prisões preventivas por outras razões além dessas. Houve casos em que ele ordenou a prisão preventiva e o Supremo reverteu a decisão. Ainda terá de ser resolvido até onde a prisão preventiva pode ser usada sem que haja exagero. Esse é um debate legítimo e que eventualmente chegará ao Supremo. Se as pessoas vão fazer delações premiadas, poderiam fazê-las sem a pressão da prisão. A ideia é que as delações premiadas sejam voluntárias. Se há presunção de inocência, por que alguém pode ser preso antes da determinação final sobre sua culpa?
Nos EUA, é comum que réus sejam presos para estimulá-los a fazer uma delação?Não, não seria próprio pôr alguém na prisão com o único propósito de arrancar uma delação premiada. Nenhum juiz concordaria com isso. No sistema federal, onde sirvo, os critérios para a prisão preventiva são risco de fuga ou risco à comunidade. Alguns no Brasil questionam a confiabilidade das delações premiadas, dizendo que réus podem mentir só para sair da prisão. Teoricamente, isso é possível em alguns casos. Mas para aprovar o acordo de delação – que é negociado pelo Ministério Público -, o juiz tem de verificar se ele é legal, regular e voluntário. Se determinar que a pessoa está mentindo ou que há algo irregular na forma como depôs, não deve aprová-lo. E não é suficiente admitir a culpa para entrar num acordo, é preciso colaborar.
Na última década o combate à corrupção no Brasil esteve muito enfocado em iniciativas legais, como a aprovação da Lei da Ficha Limpa. Em que medida a corrupção pode ser combatida por leis, e em que medida é uma questão cultural mais complexa e difícil de ser sanada?Por muito tempo os brasileiros reclamaram da impunidade, e muitos achavam que era algo com que se devia conviver. Isso mudou. A ideia agora é: “não precisamos aceitar isso, não é a forma como deve ser”. O Brasil virou a página. Houve uma mudança cultural, e foram as leis que fizeram isso, leis que definiram o que é a corrupção política. As delações premiadas começaram no Brasil nos anos 1990 com os crimes hediondos. De repente, passaram a ser usadas contra o crime organizado, porque leis ampliaram a possibilidade de que fossem aplicadas nesses casos.
O juiz Sergio Moro é uma figura controversa no Brasil, tratado como herói por uns e acusado por outros de abusar de seus poderes e agir politicamente. Que impressão teve dele ao encontrá-lo?Achei que ele é um cara muito direto e decente. Não detectei nele qualquer inclinação política. Há leis no Brasil contra corrupção, lavagem de dinheiro e extorsão. Alguém tem de aplicá-las. Não esqueçamos o papel do Ministério Público e da Polícia Federal: eles podem não ter a mesma publicidade que o juiz Moro, mas merecem o mesmo crédito. Às vezes, quando você aplica a lei e isso fere alguém, essa pessoa se diz vítima, afirma que sua decisão é política. Algumas pessoas te amam pelo que faz, e outros te odeiam. Eu aprecio as posições dele. Imagine se, diante de depoimentos de informantes internos de que havia corrupção massiva [na Petrobras], um juiz dissesse que ninguém é culpado e não aceitasse nenhum acordo de delação? Haverá erros no processo? Não tenho dúvida. Espero que eles sejam corrigidos na apelação. Mas menos de 5% das decisões de Moro foram revertidas até agora.
Não é arriscado e indesejável que um juiz se torne uma figura tão pública e atraia tanta atenção?É inevitável. Às vezes, acontece o inverso. Veja o que ocorreu com Giovanni Falcone e Paolo Borsellino na Itália. Estavam indo atrás do que consideravam a verdade e terminaram na situação mais infeliz [os dois juízes foram mortos após julgarem grandes casos contra a máfia italiana]. Deve-se dar crédito a Moro pela coragem. Esse cara inspirou um grande número de brasileiros, [mostrando] que há possibilidade de Justiça, de tratamento igualitário perante a lei. Qual a última vez que isso aconteceu no Brasil? Você não vê figuras assim com frequência.

14 de agosto de 2016
João Fellet
BBC Brasil

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