"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de outubro de 2015

ENTORTANDO A LÍNGUA



A maneira mais fácil e mais cretina de combater as desigualdades é
nivelar por baixo. A quem interessa fazê-lo?

Na Rádio Guaíba de Porto Alegre, há um programa diário com informações e comentários no qual, durante quatro horas, desfilam os assuntos mais graves e as amenidades mais hilárias. Outro dia, em meio a notícias pouco alentadoras, o condutor do programa fez digressões quanto à utilização de "ponto" ou "vírgula" na designação da frequência da emissora de FM. Com acerto, falou "é cento e um VÍRGULA três", enfatizando ser errado pronunciar "ponto" no lugar da "vírgula".

Sem demora um ouvinte enviou um torpedo, na maior grosseria, para dizer que aquele comentário era uma grande bobagem que só servia para "elitizar a língua". Ora, elitizar!

O apresentador - o jornalista Rogério Mendelski - estava informando, esclarecendo e, sem que se superdimensione o feito, dando uma pequena contribuição cultural, sendo a exatidão, sim, uma qualidade muito apreciável da linguagem. E ele tem cacife para fazê-lo. Não sei quantos anos tem. Mas é de uma geração de jornalistas que ainda sabe usar o modo subjuntivo...

Reflexo de uma época em que a escola servia para alfabetizar as crianças... Diga-se de passagem que, por não fazer cerimônia para dizer o que pensa, ele é, digamos assim, figura polêmica. E a fração raivosa da esquerda quer o seu fígado.

Do ignoto ouvinte (se o adjetivo não for elitista) nada se sabe, senão que é reflexo da nem sempre explícita perversidade com que estão sendo conduzidas a educação e a cultura no Brasil. Simples. Por aqui, para que não haja elites intelectuais, como se isso fosse por si só negativo, desdenha-se do que quer que se apresente como norma culta, ridiculariza-se a erudição e se exalta a vulgaridade. Assim, em lugar de ensinar a norma gramatical, decreta-se que a linguagem dos carroceiros passa a ter o mesmo status do padrão culto. Mas em que sairá favorecido o carroceiro com isso? O resultado é a estupidificação da juventude.

Para quem acha que é pura teoria espontânea, aqui vai a base empírica. Cito um fato apenas, tão execrável quanto apto a retratar o que está vigorando no país. Em 2011, o Ministério da Educação comprou 485 mil exemplares de um livro, pretensamente didático, da autoria de Heloisa Ramos, elaborado DELIBERADA E SOLERTEMENTE com erros gramaticais. Óbvio, material destinado a alunos de escolas públicas.

Ora, no Brasil, há muitos autores sérios e proficientes que poderiam contribuir. Mas o Programa Nacional do Livro Didático tem lá os seus critérios e decidiu subverter a norma gramatical. A justificativa da autora para a sua "obra-prima" e, por conseguinte, diretriz do Ministério da Educação, foi "privilegiar a linguagem oral sobre a escrita" e, ainda, substituir a noção de "certo ou errado" pela de "adequado ou inadequado". Estão querendo educar ou ensinar a viver sem regras? Ouso afirmar que o "ignoto ouvinte" - talvez sem entender do assunto e até por isso mesmo - apoiará a orientação ideológica de tal degenerescência.

Para completar, um registro: à época, o ministro da educação era Fernando Haddad. Ele mesmo! O prefeito moderninho de São Paulo. Fica tudo claro: embora absolutamente inaceitável, é fácil compreender o disparate governamental.

Ninguém me dirá que esses caras são ingênuos. Não. Tem planejamento nisso. Oficializar a degeneração da língua nacional é um eficaz meio de reduzir a capacidade de pensar de crianças e adolescentes. Nivela por baixo e subtrai, a muitos alunos com talento acima da média ou simplesmente com grande motivação para estudar português, o direito a obter um domínio superior da língua, o que é imprescindível em determinados ofícios - além de fixar um modo peculiar de "estar no mundo". Ah, mas eu devo estar sendo elitista...

Triste é saber, com clareza, aonde essa "elite burocrática" (essa sim, indesejável) pretende chegar.

25 de outubro de 2015
Renato Sant'Ana é Psicólogo e Bacharel em Direito.

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