A crise enfrentada pelo presidente Rafael Correa, do Equador, é apenas a mais recente entre as tantas que os regimes bolivarianos vêm encarando nos últimos tempos, desde que a fantasia da redistribuição voluntarista de renda se desfez diante da dura realidade econômica.
Bafejadas pelo ciclo de ouro das commodities, essas autocracias se jactaram de ter conseguido resgatar milhões de pessoas da miséria e apresentaram-se como modelo a ser seguido.
Agora que a maré de sorte baixou, os caudilhos viram-se nus – nem mesmo um líder que era bem avaliado e que manteve a economia razoavelmente sob controle, como Correa, consegue se mostrar imune à impopularidade.
Um ano atrás ninguém poderia imaginar que Correa passaria pelos apuros que ora enfrenta. Desde 2007, quando chegou ao governo, o presidente equatoriano vem construindo uma estrutura de comando que abrange todos os Poderes e se sustenta em uma série de leis que lhe garantiram o controle, direto ou indireto, dos movimentos sociais e de outros grupos organizados da sociedade civil. Tudo isso com a garantia de que a imprensa independente estaria constrangida por um sistema implacável de censura e de asfixia econômica.
Essa mal disfarçada ditadura foi “legitimada” por um período de bonança proporcionada pela alta dos preços do petróleo. Os programas sociais decolaram, assim como a popularidade de Correa. Em vez de aproveitar o bom momento para fazer poupança e garantir recursos para investimentos quando a conjuntura não fosse tão favorável, o autocrata gastou em grandes obras e aumento da máquina estatal, além de ampliar a dívida nacional, em especial com a China.
A virada nos preços do petróleo atingiu em cheio a economia equatoriana, que já vinha apresentando sinais de anemia. A insatisfação social cresceu e hoje envolve quase todos os setores à esquerda e à direita. Mesmo os índios, supostos beneficiários das políticas sociais de Correa, se voltaram contra o presidente e marcham pelas principais cidades do país para exigir a saída do presidente.
Ainda que em menor escala, o presidente da Bolívia, Evo Morales, também enfrenta movimentos que questionam seu governo. Os mineiros da região de Potosí fizeram greve e manifestações no mês passado, denunciando que Morales abandonou a região – que sofre com a queda dos preços dos minérios. Apesar de toda a propaganda governista a respeito de justiça social, os moradores da rica Potosí continuam muito pobres e, portanto, com muitos motivos para criticar o autocrata bolivariano.
O fato é que, embora a economia boliviana tenha sido conduzida com prudência e mostrado sinais de crescimento nos últimos tempos, Morales não conseguiu ainda cumprir muitas das promessas que fez em cima dos palanques – e já começou a aumentar os gastos públicos, ameaçando o equilíbrio das contas. Com isso, as manobras autoritárias de Morales para mudar a lei e poder concorrer a um novo mandato são rechaçadas hoje por quase 60% dos bolivianos, segundo pesquisa recente.
Tanto Correa quanto Morales colhem os frutos da ilusão que criaram a respeito de um modelo econômico baseado apenas no poder do Estado – que, segundo sua propaganda, poderia criar uma nova era de prosperidade na América Latina. Diante da insatisfação de seus governados, a ambos só resta recorrer ao surrado discurso bolivariano de que são vítimas das “oligarquias golpistas” a serviço do “imperialismo americano”.
O receio de equatorianos e de bolivianos é que, com o propósito de se segurarem no poder, Correa e Morales recorram de vez ao modelo chavista venezuelano – repressão desenfreada à oposição, estatização total e destruição do sistema produtivo. A Venezuela, com sua inflação de mais de 200%, sua escassez de produtos básicos e sua total falta de liberdades, surge como o pesadelo latino-americano. Como disse ao El País o líder de uma das manifestações no Equador: “Protestamos contra esta quase ditadura que temos aqui, que quer se perpetuar no poder e nos converter em uma Venezuela. E isso nós não vamos permitir”.
22 de agosto de 2015
Estadão
Um ano atrás ninguém poderia imaginar que Correa passaria pelos apuros que ora enfrenta. Desde 2007, quando chegou ao governo, o presidente equatoriano vem construindo uma estrutura de comando que abrange todos os Poderes e se sustenta em uma série de leis que lhe garantiram o controle, direto ou indireto, dos movimentos sociais e de outros grupos organizados da sociedade civil. Tudo isso com a garantia de que a imprensa independente estaria constrangida por um sistema implacável de censura e de asfixia econômica.
Essa mal disfarçada ditadura foi “legitimada” por um período de bonança proporcionada pela alta dos preços do petróleo. Os programas sociais decolaram, assim como a popularidade de Correa. Em vez de aproveitar o bom momento para fazer poupança e garantir recursos para investimentos quando a conjuntura não fosse tão favorável, o autocrata gastou em grandes obras e aumento da máquina estatal, além de ampliar a dívida nacional, em especial com a China.
A virada nos preços do petróleo atingiu em cheio a economia equatoriana, que já vinha apresentando sinais de anemia. A insatisfação social cresceu e hoje envolve quase todos os setores à esquerda e à direita. Mesmo os índios, supostos beneficiários das políticas sociais de Correa, se voltaram contra o presidente e marcham pelas principais cidades do país para exigir a saída do presidente.
Ainda que em menor escala, o presidente da Bolívia, Evo Morales, também enfrenta movimentos que questionam seu governo. Os mineiros da região de Potosí fizeram greve e manifestações no mês passado, denunciando que Morales abandonou a região – que sofre com a queda dos preços dos minérios. Apesar de toda a propaganda governista a respeito de justiça social, os moradores da rica Potosí continuam muito pobres e, portanto, com muitos motivos para criticar o autocrata bolivariano.
O fato é que, embora a economia boliviana tenha sido conduzida com prudência e mostrado sinais de crescimento nos últimos tempos, Morales não conseguiu ainda cumprir muitas das promessas que fez em cima dos palanques – e já começou a aumentar os gastos públicos, ameaçando o equilíbrio das contas. Com isso, as manobras autoritárias de Morales para mudar a lei e poder concorrer a um novo mandato são rechaçadas hoje por quase 60% dos bolivianos, segundo pesquisa recente.
Tanto Correa quanto Morales colhem os frutos da ilusão que criaram a respeito de um modelo econômico baseado apenas no poder do Estado – que, segundo sua propaganda, poderia criar uma nova era de prosperidade na América Latina. Diante da insatisfação de seus governados, a ambos só resta recorrer ao surrado discurso bolivariano de que são vítimas das “oligarquias golpistas” a serviço do “imperialismo americano”.
O receio de equatorianos e de bolivianos é que, com o propósito de se segurarem no poder, Correa e Morales recorram de vez ao modelo chavista venezuelano – repressão desenfreada à oposição, estatização total e destruição do sistema produtivo. A Venezuela, com sua inflação de mais de 200%, sua escassez de produtos básicos e sua total falta de liberdades, surge como o pesadelo latino-americano. Como disse ao El País o líder de uma das manifestações no Equador: “Protestamos contra esta quase ditadura que temos aqui, que quer se perpetuar no poder e nos converter em uma Venezuela. E isso nós não vamos permitir”.
22 de agosto de 2015
Estadão
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