"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

A CONCEPÇÃO SOVIÉTICA DE TEMPO E A REGRA KEYNES-RAMSEY: O MAPA DE MOSCOU


Um estrangeiro visitando Moscou no início da década de 30 e consultando um mapa recentemente publicado estranharia o fato de que as ruas, as avenidas, as estações de metrô e os edifícios indicados no mapa não existiam na realidade. 
O mapa não representava a cidade como ela era, o mapa representava o plano mestre de Moscou, isto é, a Moscou do futuro. O visitante então recorria aos mapas antigos, de dez, vinte anos atrás. Para sua surpresa esses mapas também eram inúteis, pois a maior parte da cidade de Moscou representada neles havia sido destruída. 
A inutilidade dos mapas de Moscou curiosamente mapeia a realidade temporal soviética compreendida intuitivamente por Karl Mannheim em seu Ideologia e Utopia. Mannheim notou que os marxistas concebem o tempo como uma série de pontos estratégicos na rota para o futuro utópico. 
O futuro molda o presente e define o curso da história. A forma Bolchevique para alcançar  o futuro, i.e.,  o comunismo, é simples: Faz um plano para o futuro, destrói tudo o que existe no presente que não se conforma com o plano e constrói o futuro de acordo com o plano. 
Eis a explicação para o mistério da inutilidade dos mapas de Moscou, o mapa presente é o plano para o futuro. A cidade presente está em mudança, onde tudo que não está planejado está sendo destruído, e supostamente uma nova cidade planejada está em construção.
Frank Ramsey era o enfant terrible de Cambridge na década de 20 e como muitos da sua geração estava fascinado com essa concepção de tempo bolchevique em que o futuro planejado molda o presente e que aparentemente torna possível a construção de um futuro melhor. 
Para os leigos Ramsey é conhecido como o garoto que orientou a tese de doutorado do super-fruta paranóico Wittgenstein. Além de ser um lógico e filósofo muito superior ao austríaco, Ramsey era um matemático de escol e palitava os dentes quando falava de economia. 
Era o único ser vivo que dobrava a fleugma de Keynes, o mesmo Keynes que desdenhava os mestres Marshall e Pigou, que rejeitava os papers de Wicksell, que ignorava Schumpeter e Mises e que tratava Hayek como peso pena.
Num papo informal numa common room bebendo umas xícaras de chá Keynes ajudou Ramsey a conceber economicamente a concepção soviética de planejamento central, bastavam duas variáveis, consumo e investimento, e o princípio elementar de economia de que todas as escolhas geram trade-offs. 
A idéia é que há um trade-off entre consumo presente e futuro, consumir menos para investir mais hoje gera maior produção e mais consumo no futuro. 
Em equilíbrio a taxa marginal de substituição entre consumo presente e futuro deve ser igual a taxa marginal de transformação da produção. Eis a regra Keynes-Ramsey que nenhum economista soviético pode formular  porque a maioria dos economistas que sabiam somar e subtrair tinham sido fuzilados e só restaram os economistas campineiros cuja função era aplaudir a ditadura de Stalin e justificar o assassinato de 10 milhões de camponeses durante o primeiro plano quinquenal.

Apesar da sua elegância, o problema da regra Keynes-Ramsey é que ela não captura a essência do planejamento central soviético que é a destruição no presente daquilo que representa o passado. 
Em Keynes-Ramsey há apenas a construção do futuro, enquanto na realidade soviética a construção do futuro só se inicia depois do estágio da destruição do passado. 
Mesmo as mentes brilhantes de Keynes e Ramsey ignoraram esse pequeno detalhe de economia política: a essência de uma revolução é a destruição e descontinuidade com o passado. 
Se aquilo que representa o passado -  os recursos materiais e humanos,  a combinação de ambos em tradições culturais e funções de produção - desaparece, sobre o que [e com o que] o futuro será construído? 
Nada, resta apenas a miséria generalizada. A riqueza e abundância sonhadas e planejadas são inatingíveis. 
O socialismo é a parábola dos mapas de Moscou.

16 de julho de 2015
in selva brasilis

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