"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A TEOLOGIA DE POLEMARCO, OU: É ISSO QUE DÁ QUANDO CRISTO SAI E ENTRA MARX

Em sua magnífica obra “A República”, Platão nos brinda com um diálogo acerca do que seria a Justiça. Um dos personagens inquiridos é Polemarco, que prontamente responde com toda franqueza de seu torpe coração: Justiça é ajudar os amigos e prejudicar os inimigos[1].

Claro que a política evoluiu muito depois de Platão e hoje muitos políticos entendem que na Justiça está incluído o ato de destruir antigos aliados – excelentes bodes expiatórios - após a chegada ao poder com o objetivo de manter o controle indisputado de tudo, como aconselhava o chefe florentino de milícias, Maquiavel. Fórmula mais do que repetida por políticos de viés stalinista até às ditaduras de hoje. Nada melhor do que um pouco de sangue humano socialista para limpar a sujeira da causa socialista.

Em sua coluna de jornal o teólogo Leonardo Boff reproduz em parte esse antiquíssimo – e, por que não, reacionaríssimo – pensamento[2].

Divide novamente, como é de seu feitio e de toda nossa esquerda iluminada, o povo brasileiro entre “nós” e “eles”. Categorias classistas mais que anacrônicas reutilizadas à exaustão desde os tempos do velho profeta Marx. Só não pergunte a quem servem as profecias do antigo barbudo alemão e de seus imitadores contemporâneos.

Na categoria “nós” estão os santos esquerdistas; os guerreiros para os quais tudo é perdoado em nome da causa; os amantes dos pobres mesmo quando os roubam; os revolucionários que, justificados pelo futuro perfeito que nunca chegou e – ao ver o andar da carruagem desgovernada - provavelmente nunca chegará, têm licença para mentir, matar, cometer genocídios e roubar (muito).

Na categoria “eles” estão os profanos direitistas; maldosos que odeiam pobres e minorias; exploradores; conservadores (neste momento faça-se o sinal da cruz invertido para proteção, quem sabe); indignos desprovidos da cognição iluminada de um futuro perfeito que tudo perdoa e tudo permite desde que você esteja no lado adequado do espectro ideológico ou da lógica mortal da Guerra de Classes.

Para seus amigos, Boff recomenda, de forma muito cristã, a “autocrítica pública e humilde dos erros cometidos”, à luz do conhecimento de que “A vida nos ensina e as escrituras cristãs não se cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar”. Para seus inimigos, os quais também deveriam merecer seu perdão e receber suas sinceras orações, Boff destina o desprezo e o franco combate.

São os inimigos – malditos conservadores direitistas - acusados de usarem “mentiras e distorções”, mas os amigos esquerdistas previsivelmente passam batido por tais acusações. Os inimigos são acusados de baterem “panelas cheias”, mas os bolsos lotados de dinheiro público dos amigos merecem o apelo ao perdão e recomeço.

Quando a crise é gerada pela esquerda, ela “funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso”, integrando o caos “generativo” bem ao estilo da crítica destrutiva da Escola de Frankfurt. Se for gerada pela direita, não se deve jamais “aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.

O nome disso não é cristianismo. Envergonha muito observar lições cristãs recortadas e prostituídas por ideólogos para que sirvam de munição numa guerra profana que vira brasileiro contra brasileiro, irmão contra irmão, corrompendo corações e transformando o amor em algo seletivo.

Não, cristianismo não é isso o que é pregado nos textos de incitação ao ódio classista exaustivamente despejados por Boff em suas colunas. Boff acerta quando lembra de que o Cristianismo pode ajustar as coisas, mas erra ao revelar que ele mesmo desconhece o que é o Cristianismo, trocando-o pela diabólica interpretação reducionista da Teologia da Libertação.

É isso o que dá trocar Cristo por Marx: a caridade, a disposição em aconselhar e perdoar e o espírito fraterno terminam onde termina a afinidade ideológica. Aos amigos, o bem, aos inimigos, o combate feroz.

17 de junho de 2015
Hélio Angotti Neto



[1] Plato. Republic, Volume I: Books 1-5. Edited and translated by Christopher Emlyn-Jones, William Preddy. Loeb Classical Library 237. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013, p. 22-23.

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