"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 21 de março de 2015

APOLOGÉTICA AMBÍGUA

Eu confesso. Não tenho apologética.
Não há como defender Deus. Não há como provar que o Seu caminho é o correto. Para isso, seria necessário que eu entendesse Deus, para que possa fundamentar as alegações de verdade que a minha fé me chama a abraçar.
Posso explicar muito bem no que creio. Posso demonstrar até certo grau que minha fé é razoável, e não um delírio de um lunático. Mas não posso provar nada. Não posso discutir um enigma. Não posso fazer campanha para Jesus, sobre uma plataforma de certeza.
Veja, toda a “evidência” é ambígua. É capaz de ser interpretada de diversas formas. O que convence uma pessoa a crer, pode levar outra a ter sérias dúvidas.
Até mesmo o acontecimento que é o alicerce da nossa fé – a ressurreição de Jesus – não foi o que podemos chamar de um evento público. Foi descoberto de forma inesperada por algumas pessoas comuns, no amanhecer enevoado de uma manhã de Páscoa. Todas as aparições de Jesus foram reservadas, a pessoas que se tornaram suas testemunhas. É na palavra destas pessoas que temos que confiar. Estou convencido de que elas eram confiáveis e não tinham motivos para inventar uma história tão fantástica, mas consigo entender que pessoas podem ter dúvidas a respeito disso.
Acho que é por isso que tantos cristãos sentem necessidade de apresentar uma Bíblia inerrante, uma revelação totalmente confiável, feita diretamente da boca de Deus, que demonstra em termos incontestáveis que é VERDADE™. Então, tudo que temos que fazer é abrir o livro e – lá está! – uma base segura  e certa para as nossas crenças. Entretanto, por mais confortáveis que isso possa fazer os crentes se sentirem, apenas cria outra proposição que os cristãos precisam defender. Provar a divina perfeição da Bíblia é um esforço hercúleo, e como séculos de disputas sobre a natureza, significado e interpretação da escritura, mostram, a evidência é obscura.
Então, realmente não tenho uma apologética. Na melhor das hipóteses, ela é ambígua.
Outro dia eu estava pensando sobre os pastores na história de Lucas sobre o nascimento de Cristo. Certamente eles tinham um senso de certeza. Certamente o que eles experimentaram foi tão inquestionável e transformador, que viveram o resto das suas vidas na certeza da fé. Com certeza o próprio Deus tinha provado a eles. Eles viram os anjos. Ouviram o evangelho ser anunciado, diretamente do céu. Eles viram o bebê Jesus em carne e osso!
Porém, às vezes adoraria saber o que aconteceu depois. O Evangelho nos diz que os pastores voltaram ao trabalho naquela mesma noite. Não temos mais notícias deles. Como será que foi para os pastores uma semana depois? Um mês depois? Dez ou vinte anos depois? Não sei se eles estavam por perto quando Jesus andou ao longo da Judeia proclamando o Reino. Gosto de pensar que a fé deles foi confirmada e fortalecida ao longo dos anos, talvez por meio de encontros pessoais com Jesus no seu ministério.
Por outro lado, é possível que eles não tenham mais ouvido falar de Jesus novamente, talvez pelo resto das suas vidas. Se foi assim, o que aquele longo silêncio teria comunicado a eles? Baseados na mensagem do anjo, eles podem ter aguardado, em algum momento ao longo da estrada, que o Filho de Davi chegasse ao trono em Jerusalém, trazendo a paz duradoura e alívio com relação aos seus inimigos. Um cumprimento inquestionável da promessa de Deus. Mas mesmo que eles tenham feito parte da multidão e seguido Jesus ao longo da Judeia e Galileia, eles podem nunca ter percebido. Como eles poderiam ter relacionado aquele grande anúncio de nascimento, com a realidade anos depois – um rabino itinerante que não tinha onde reclinar a cabeça? E então, a cruz? Algum rei. Algum trono.
Tudo isso é pura especulação, é claro, mas penso em uma conclusão: em minha opinião, os cristãos (e me incluo nisso), parecem convencidos quando falam sobre Jesus e sobre a fé. Como se tivéssemos um senso de certeza que nos faz sentir felizes ao longo da vida. Como se o que acreditamos e as razões pelas quais acreditamos fossem tão claras, tão transparentes, tão inquestionáveis, que não podemos imaginar que os outros sejam incapazes de ver isso.
Tive um despertar espiritual enquanto estava na escola secundária, e foi causado por relacionamentos que desenvolvi com um grupo de jovens cristãos, na escola e na igreja. O que eu gostava neles, é que eram reais. Eu notava suas imperfeições e podia encontrar furos em seus argumentos. Mas não podia deixar de perceber a alegria deles, e a convicção que tinham de que a vida valia a pena apesar dos problemas e dúvidas. Havia algo que os mantinha em movimento para abraçar o divino da vida, da fé, esperança e do amor. Eles eram péssimos quando tentavam explicar isso, mas estava lá. No fim das contas, percebi que não podia resistir à canção que a vida deles cantava para mim.
Então é a isso que quero voltar. Algum dia muito tempo atrás, numa noite escura, ouvi anjos cantando. Vi a face do salvador. E era real.
Minha experiência com certeza não foi tão espetacular como o que os pastores testemunharam. Entretanto, foi suficiente para prender minha atenção e me fazer mudar de direção, de uma forma que suponho pareceria tanta loucura quanto largar seu trabalho, no meio da noite, para procurar uns estranhos e seu bebê recém nascido, baseado numa visão divina.
Entretanto, como estes pastores, tive que retornar à vida, à velha vida comum, a vida de todos os dias.
Ao longo dos anos, tive razões pra duvidar, inúmeras vezes, de que aquela experiência foi real. Queria saber se aquelas promessas que recebi eram verdadeiras, ou se não passava de fantasia adolescente gerada por hormônios, novidades e dinâmicas de grupo. Pode parecer muito ambíguo às vezes.
Se os pastores viram Jesus novamente ou não, posso testificar que desde minha epifania, algumas vezes ao longo do caminho, eu o encontrei. Uma coisa é certa: ele nunca é como espero. Ele constantemente me deixa confuso e me faz coçar a cabeça. Quanto mais tento definir o que ele é e o que está fazendo em minha vida, mais confuso eu fico. E quando vou falar, fico rodeando, procurando palavras que o expliquem, para expressar o que significa para mim, tocar os presentes com os quais ele graciosamente tem preenchido a minha vida.
Ele é real, e isso é o melhor que posso fazer.
E é isso que você tem. Minha apologética ambígua.
Talvez você estivesse esperando ler alguma coisa hoje, que explicasse tudo a você, aliviasse suas dúvidas, respondesse suas perguntas, fizesse tudo virar certezas.
Desculpe. Sou apenas um pastor aqui.
A maioria das noites é bem quieta.

21 de março de 2015
capelão Mike, in nada de novo sob o sol

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