“To be or not to be: that´s the question”
A discussão que aborda a independência do Banco Central é um dos pontos palpitantes que ganhou destaque na campanha presidencial deste ano. O assunto demonstra ainda estar muito distante de um consenso e também divide os acadêmicos e os especialistas.
Como vemos, não é um tema clássico, tão conhecido dos brasileiros quanto educação, saúde, segurança e infraestrutura com o qual eles possam interagir, levando suas contribuições aos programas dos candidatos.
Os principais postulantes da oposição, como elemento de diferenciação, levantam a bandeira de dar maior autonomia à autarquia e outros até admitem uma independência formal ao órgão. Dilma defende a atual estrutura, que denomina como “autonomia operacional do BC”. O seu presidente é indicado pelo Presidente da República e, somente ele, pode demiti-lo. O órgão não tem poder de decisão sobre metas, como a meta de inflação, mas tem livre arbítrio para adotar suas políticas e o prazo para atingir as metas.
Quanto ao aspecto da independência do BC, ela é assegurada por Lei; o colegiado formado por presidente e diretores define as metas e eles não podem ser demitidos, a não ser em situações excepcionais.
Recentemente, a presidente Dilma demonstrou mais uma das suas notáveis contradições, quando se meteu em “saia justa” diante de uma inesquecível recordação, quando, em entrevista ao “Bom Dia, Brasil”, durante sua campanha em 2010, defendeu com singularidade a autonomia do Banco Central. Hoje, repudia-a frontalmente, até por que a política econômica adotada pelo seu desgoverno é excessivamente intervencionista.
A teoria por trás da tese de independência do BC vem do final dos anos 70, especialmente a partir de dois artigos acadêmicos.
No primeiro, assinaram o documento Edward Prescott e Finn Kynland; os dois compartilharam em 2004 o Prêmio Nobel de Economia, quando trouxeram para a macroeconomia tradicional um argumento importante: os agentes econômicos são dotados de expectativas racionais, logo, não incorrem em equívocos sistemáticos de previsão, e adotam um comportamento proativo às determinações políticas de curto prazo do governo.
Se este decide provocar a demanda através da política monetária expansionista, a consequência será somente o crescimento da inflação e os agentes econômicos sabem quais as decisões inflacionistas do governo; em função disso, o BC deve procurar unicamente a estabilidade dos preços.
O segundo, de autoria do economista Roberto Barro, professor de Harvard, aborda a questão da credibilidade na política econômica: o governo tem que conservar o equilíbrio na política fiscal e uma política monetária que reduza a inflação. Entretanto, a política fiscal deve fomentar superávits primários capazes de custear as despesas com juros da política monetária, logo, aquela política está inserida nesta.
Independente de decisões políticas, credibilidade só tem a ver com política econômica, pois sem as ingerências desestabilizadoras que perturbam completamente o equilíbrio de curto prazo, os agentes econômicos tomam deliberações sem alardes e a economia pende para uma estabilidade, com uma taxa de desemprego harmônica em relação à estabilidade inflacionária.
Portanto, a proposição de independência do BC aparece também como uma solução para ingerências políticas de governantes partidários do inflacionismo, que ambicionam estrategicamente sustentar o seu partido no poder. Dessa forma, um BC independente com seu presidente preferencialmente com mandato de aparência estável, propicia que a autoridade monetária trate apenas da estabilidade dos preços.
Assim, o governante não se sentiria atraído a realizar políticas de estímulo à demanda no curto prazo e, consequentemente, produzir inflação. Se a política monetária expansionista só for capaz de gerar inflação, os agentes econômicos se antecipam ao viés inflacionário e, nada mais apropriado do que tornar o BC desvinculado do governante.
A partir de 1989, tornaram-se independentes ou autônomos diversos bancos centrais no mundo. Criaram mecanismos para impedir interferências políticas nas deliberações da autoridade monetária. Depois de deflagrada a crise econômica global em 2008/2009 e com o passar do tempo, restaram algumas marcas de que as decisões de política monetária são generosamente influenciadas pelo poder político.
Os países que adotaram a autonomia sempre demonstraram uma situação bem melhor do que aqueles que não assumiram. Nessas economias, a inflação é menor e mais estável, a volatilidade do produto é inferior e a predisposição em reagir diante de uma crise é maior como ficou provado recentemente.
É necessário lembrar que compete aos Bancos Centrais (BCs), como atividade primária, serem os protetores da moeda e do crédito e, como tal, manter o completo domínio sobre as pressões inflacionárias. O mais essencial é que haja variações no modelo de gestão
Ao redor do mundo, temos referências de BCs independentes, reconhecidos como bem estruturados, a exemplo do RBNZ da Nova Zelândia, a primeira experiência de independência; o FED americano é soberano desde 1951; o BCE europeu, considerado o mais independente do mundo, com a missão de coordenar a moeda única (euro) dos seus dezoito países membros; o BOE – inglês, primeiro banco central do mundo fundado em 1694; o BOJ – japonês; o BCCh do Chile, um modelo de independência na América Latina.
Exemplificando como funciona um BC independente, a melhor referência sem dúvida, para muitos, é o FED americano, o maior de todos e o mais influente no mundo.
O presidente do FED é indicado pelo presidente dos EUA e deve ter seu nome aprovado pelo Senado daquele país. O mandato do presidente é fixado em quatro anos, podendo ser renovado. Tal política confere ao banco plena autonomia operacional e administrativa. Não existe um vínculo com o período governamental de cada presidente, ou melhor, um presidente pode, eventualmente, governar parte da sua administração tendo o presidente da instituição na oposição.
Dá para notar, portanto, que não existe ambiente de subordinação ao poder Executivo. É prerrogativa exclusiva do FED decidir, todos os anos, as metas de inflação e a taxa de desemprego como julgar necessário.
Em um novo mandato, o presidente da República indica o presidente e o vice-presidente para um período de quatro anos e eles só poderão ser demitidos por má conduta, crimes e outras ofensas graves, em votação no Senado, requerendo uma maioria qualificada.
O FED é estruturado envolvendo doze BCs regionais, subordinados a uma política definida pela diretoria central (board of governors) em Washington D.C. e os votos no FOMC (Comitê de Política Monetária) obedecem a rodízio dos seus membros com direito a voto nas reuniões.
A prestação de contas do órgão é intensa. Envolve encontros periódicos com sabatinas no Congresso e adota uma forte conexão com a sociedade americana, através de comunicados após os eventos, entrevistas coletivas do presidente para todos os canais de comunicação do país, elaboração de atas minuciosas sobre todos os encontros, conhecidas mundialmente como “Livro Bege”, ficando liberadas suas transcrições após cinco anos.
Mesmo amparado pela autonomia em situações delicadas, ultimamente, tem predominado o consenso das políticas do FED com o Tesouro americano. Foi de fundamental importância a sinergia entre esses poderes, por terem tido uma atitude convergente para ajustar a política econômica e monetária na crise de 2008, quando o presidente do Banco e o Secretário do Tesouro trabalharam alinhados, demonstrando uma exemplar sintonia.
Na nossa realidade, diante do padrão acima, tenho plena certeza de que é quase impossível adotá-lo neste momento no Brasil, obtendo a cumplicidade da grande maioria dos políticos brasileiros. Deixar uma instituição ter total independência sobre a política econômica e monetária brasileira faz com que, no mínimo, parte do poder de quem governa seja dividido e isso não seria simpático à maioria da classe política, ainda mais, sendo regulada por Lei. O perigo político seria considerável.
Como vemos, o presidente do BC pode influenciar os rumos de uma eleição, a depender de como a política monetária seja conduzida por ele. Precisamos, o quanto antes, de políticos capazes para tratar a economia acima de tudo, com respeito e responsabilidade.
A reflexão sobre um Banco Central independente para a nossa economia carece da avaliação adequada de uma governança direcionada a guiar a política monetária ao contexto econômico e não exclusivamente, direcionada a grupo de agentes movidos pelo “interesse”.
Também imaginar um BC inteiramente independente para o País, apresentando os inconsequentes efeitos colaterais que são taxa de juros maiores, taxa de desemprego elevadas e política monetária orientada para o setor financeiro, terão um impacto significativo sobre o lado real da economia.
Nisso tudo, existem as principais vantagens e desvantagens quanto a um BC ser independente. Começando pelas vantagens: estar blindado para não ter interferência política nas decisões de política monetária, proteção à emissão de moeda das políticas fiscais, acentuada credibilidade externa e maior confiança da comunidade financeira.
As desvantagens são quase antagônicas: concentração de poder em uma única instituição (pessoa); influência na política do país como veículo direcionador da economia; conflitos políticos entre os técnicos do BC e o Poder Executivo (Argentina, um bom exemplo) e a inexistência de um consenso entre os economistas sobre a relação direta entre uma maior independência do BC e índice de inflação menor.
O debate sobre o Banco Central independente no Brasil não deveria ser um tema central, em função da grande necessidade que temos atualmente de realizar estratégicas alterações na nossa política econômica. A polêmica ganhou notória força, exclusivamente em razão do atual governo intervir excessivamente em contabilidade criativa, marco regulatório com pressões ditatoriais.
Em minha opinião, para que o Banco Central do Brasil se torne independente, é preciso que antes o País sofra um choque de “moralidade”. Considero que este modelo é obrigatório para um país sério, avançado, democrático e transparente, favorecendo-o a ser respeitado não só no seu ambiente interno, mas especialmente, pela comunidade financeira internacional.
03 de outubro de 2014
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador).
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador).
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