Presidente Marina Silva. É hora de começar a se acostumar. Boa notícia é que ninguém será obrigado a tratá-la de “presidenta”. Se Marina, quando se refere à atual ocupante do cargo, diz “presidente Dilma Rousseff”, não há de querer que venham a tratá-la de “presidenta”. A questão não é irrelevante, pelas seguintes razões:
1. “Presidenta” é uma das ferramentas que ajudam a cavar o fosso de intolerância hoje no centro da política nacional. Quem fala “presidenta” está dispensado de usar adesivo no carro ou button na lapela. Já expressou sua adesão à atual detentora do poder. O PT é o Tea Party com sinal trocado da luta política brasileira (não é à toa que ostenta as mesmas iniciais, em ordem inversa). O Tea Party radicalizou a política americana. É intransigente nas negociações, dificulta a construção de consensos e já por duas vezes conduziu o governo à paralisia. O PT no passado recusou-se a assinar a Constituição e expulsou parlamentares que votaram em Tancredo Neves. No presente, atribui-se a refundação do país, negando contribuições de governos anteriores, e a chave da história, recusando reais parcerias. “Presidenta” representa o mesmo papel de “nós ou eles”. Quem diz “presidenta” está conosco; quem diz “presidente” está contra.
2. “Presidenta” exacerba ao ridículo o respeito ao “politicamente correto” na questão de gênero. Marta Suplicy tinha razão quando, ao assumir a prefeitura de São Paulo, mandou trocar as placas de seu gabinete para “prefeita”. Ela era indiscutivelmente “prefeita”, não “prefeito”. A língua portuguesa não admite a forma “prefeito” para uma pessoa do sexo feminino. O mesmo não ocorre com a palavra “presidente”, e tanto não ocorre que Dilma disse na semana retrasada, ao defender a ocupante da presidência da Petrobras: “A presidente Graça Foster respondeu perfeitamente sobre a questão dos seus bens numa nota oficial”. Não é crível que Dilma considere Graça Foster menos merecedora do “presidenta”. O que ela fez foi deixar-se levar pelo piloto automático, e o piloto automático da língua portuguesa indica o uso da palavra “presidente” tanto para homem como para mulher. “Presidenta” é um artificialismo que trai a intenção de traçar uma linha de defesa. A recusa ao tratamento seria evidência de machismo; logo, quem criticasse Dilma chamando-a de “presidente” o faria por ela ser mulher.
3. “Presidenta” reforça o autoritarismo e os maus bofes da atual ocupante do cargo. Sabe-se que é pesado o clima entre Dilma, seus ministros e assessores. Tem-se notícia de cobranças e broncas horrorosas. Imagine-se o cuidado dos colaboradores em não errar na última sílaba. “Presidenta, presidenta”, terão muitas vezes mentalmente se repetido, à medida que avançavam para a temível audiência. Quantas vezes a falta de um “presidenta” não terá potencializado o notório mau humor de Dilma, evidenciado na semana passada pela expressão carrancuda com que tantas vezes foi flagrada pelas câmeras no debate da TV Bandeirantes?
4. “Presidenta” é feio. Não é que seja errado. Está lá no Dicionário Houaiss: “Presidenta – 1. mulher que se elege para a presidência de um país; 2. mulher que exerce o cargo de presidente de uma instituição”. O caso é que entre “presidenta” e “presidente”, que também pode ser usado para mulheres, a língua corrente escolheu a segunda forma, talvez levada pela estranheza de uma terminação em “ente” admitir ser distorcida para “enta”. O normal, como em “adolescente”, “gerente”, “assistente”, “confidente” ou “conferente”, é a palavra servir aos dois gêneros.
Presidente Marina Silva. Ela é miúda, tem voz de criança, usa o cabelo preso e arrematado num simples coque, não armado por cabeleireiro famoso, e lembra Frida Kahlo, nas sobrancelhas grossas, na cor da pele e na figura frágil. Para culminar, não pede para ser chamada de “presidenta” – uma das razões pelas quais traz um sopro renovador e desestabilizante à corrida presidencial.
A JBS/Friboi saiu na frente e doou 5 milhões de reais à campanha de Dilma Rousseff, 5 milhões à de Aécio Neves e 1 milhão à de Eduardo Campos. Não contava com as trapaças do destino. Agora deve 4 milhões a Marina Silva. A dinheirama na campanha atrai mais dinheirama, inclusive a dinheirama escusa como a usada para alugar/comprar jatinhos de candidatos. Moral da história: barateamento já! É indecente e grotesco o preço a que gostosamente a democracia brasileira se deixou taxar.
07 de setembro de 2014
Roberto Pompeu de Toledo, Veja
1. “Presidenta” é uma das ferramentas que ajudam a cavar o fosso de intolerância hoje no centro da política nacional. Quem fala “presidenta” está dispensado de usar adesivo no carro ou button na lapela. Já expressou sua adesão à atual detentora do poder. O PT é o Tea Party com sinal trocado da luta política brasileira (não é à toa que ostenta as mesmas iniciais, em ordem inversa). O Tea Party radicalizou a política americana. É intransigente nas negociações, dificulta a construção de consensos e já por duas vezes conduziu o governo à paralisia. O PT no passado recusou-se a assinar a Constituição e expulsou parlamentares que votaram em Tancredo Neves. No presente, atribui-se a refundação do país, negando contribuições de governos anteriores, e a chave da história, recusando reais parcerias. “Presidenta” representa o mesmo papel de “nós ou eles”. Quem diz “presidenta” está conosco; quem diz “presidente” está contra.
2. “Presidenta” exacerba ao ridículo o respeito ao “politicamente correto” na questão de gênero. Marta Suplicy tinha razão quando, ao assumir a prefeitura de São Paulo, mandou trocar as placas de seu gabinete para “prefeita”. Ela era indiscutivelmente “prefeita”, não “prefeito”. A língua portuguesa não admite a forma “prefeito” para uma pessoa do sexo feminino. O mesmo não ocorre com a palavra “presidente”, e tanto não ocorre que Dilma disse na semana retrasada, ao defender a ocupante da presidência da Petrobras: “A presidente Graça Foster respondeu perfeitamente sobre a questão dos seus bens numa nota oficial”. Não é crível que Dilma considere Graça Foster menos merecedora do “presidenta”. O que ela fez foi deixar-se levar pelo piloto automático, e o piloto automático da língua portuguesa indica o uso da palavra “presidente” tanto para homem como para mulher. “Presidenta” é um artificialismo que trai a intenção de traçar uma linha de defesa. A recusa ao tratamento seria evidência de machismo; logo, quem criticasse Dilma chamando-a de “presidente” o faria por ela ser mulher.
3. “Presidenta” reforça o autoritarismo e os maus bofes da atual ocupante do cargo. Sabe-se que é pesado o clima entre Dilma, seus ministros e assessores. Tem-se notícia de cobranças e broncas horrorosas. Imagine-se o cuidado dos colaboradores em não errar na última sílaba. “Presidenta, presidenta”, terão muitas vezes mentalmente se repetido, à medida que avançavam para a temível audiência. Quantas vezes a falta de um “presidenta” não terá potencializado o notório mau humor de Dilma, evidenciado na semana passada pela expressão carrancuda com que tantas vezes foi flagrada pelas câmeras no debate da TV Bandeirantes?
4. “Presidenta” é feio. Não é que seja errado. Está lá no Dicionário Houaiss: “Presidenta – 1. mulher que se elege para a presidência de um país; 2. mulher que exerce o cargo de presidente de uma instituição”. O caso é que entre “presidenta” e “presidente”, que também pode ser usado para mulheres, a língua corrente escolheu a segunda forma, talvez levada pela estranheza de uma terminação em “ente” admitir ser distorcida para “enta”. O normal, como em “adolescente”, “gerente”, “assistente”, “confidente” ou “conferente”, é a palavra servir aos dois gêneros.
Presidente Marina Silva. Ela é miúda, tem voz de criança, usa o cabelo preso e arrematado num simples coque, não armado por cabeleireiro famoso, e lembra Frida Kahlo, nas sobrancelhas grossas, na cor da pele e na figura frágil. Para culminar, não pede para ser chamada de “presidenta” – uma das razões pelas quais traz um sopro renovador e desestabilizante à corrida presidencial.
A JBS/Friboi saiu na frente e doou 5 milhões de reais à campanha de Dilma Rousseff, 5 milhões à de Aécio Neves e 1 milhão à de Eduardo Campos. Não contava com as trapaças do destino. Agora deve 4 milhões a Marina Silva. A dinheirama na campanha atrai mais dinheirama, inclusive a dinheirama escusa como a usada para alugar/comprar jatinhos de candidatos. Moral da história: barateamento já! É indecente e grotesco o preço a que gostosamente a democracia brasileira se deixou taxar.
07 de setembro de 2014
Roberto Pompeu de Toledo, Veja
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