"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 29 de junho de 2014

O LÁBARO ESTRELADO

O lábaro estrelado

Mais de uma vez já escrevi, aqui neste espaço, sobre o hino brasileiro. Nosso cântico nacional é coisa fina. Já disse e repito: num concurso internacional, a música do nosso poderia até empatar com a da Marselhesa, mas a letra faria a diferença. Enquanto o canto francês incita os cidadãos a fazer jorrar sobre suas plantações o sangue impuro dos inimigos da nação (arrgh!), o nosso é mais conciliante e aprazível. Dependesse do hino, o Brasil seria campeão eterno.
 
A Folha de São Paulo de 28 jun° 2014 publica matéria sobre a dificuldade que crianças enfrentam para entender as palavras do hino brasileiro. Atribui o problema ao fato de a letra ter sido escrita mais de cem anos atrás, com expressões da época hoje caídas em desuso. A história é um pouco diferente.
No início do século XX, Osório Duque Estrada teceu palavras que se encaixaram direitinho na melodia composta um século antes por Francisco Manuel da Silva. Não é qualquer escritor ou letrista que consegue enfiar letra em melodia já feita. Cobrir de redondilhas uma melodia não é pra qualquer um. Precisa ser bambambã ― e nem todos têm o talento de um Chico Buarque.
 
Duque Estrada até que se saiu muito bem. Suas palavras não correspondem a «expressões da época», como imaginam alguns, mas refletem o preciosismo parnasiano em voga naqueles tempos, artificialidade familiar para os que já fizeram alguma incursão pela obra de Olavo Bilac ou Vicente de Carvalho.
 
A Lei da Palmada não há de melhorar as coisas Fonte: FolhaPress
                                         A Lei da Palmada não há de melhorar as coisas…
                                         Fonte: Folhapress
 
Gente comum jamais chamou bandeira de lábaro nem de flâmula. Adjetivos como fúlgido, vívido e garrido nunca passearam pela boca do povo. São palavras desde sempre reservadas para uso dominical, daquelas que descansam na gaveta o resto da semana.
 
Outra particularidade da letra de nosso hino, do ponto de vista gramatical, é a quebra quase sistemática da ordem direta. O sujeito nem sempre é aquele que parece. Mas não tem jeito: o hino é esse aí. Contra fatos, não há argumentos. A vida não é feita só de facilidades.
 
Caderno escolar com Hino na 4a. capa
Caderno escolar
com Hino na 4a. capa
 
O aprendizado da letra deve ser parte do currículo da escola elementar. Naturalmente, estou partindo do princípio que professores primários sejam capazes de destrinchar frases sofisticadas e pô-las na ordem direta. Torço para que assim seja. A construção sinuosa de certas estrofes serve de excelente exercício nas aulas de análise sintática.
 
Nos tempos recuados em que escola ensinava e aluno aprendia, cadernos costumavam trazer, na quarta capa, a letra completa do hino. Não sei se a gente aprendia por osmose ou pela insistência. Seja como for, todo guri conhecia as palavras. E de cor, faz favor!
 
Espero que ainda seja assim. As crianças de hoje não são menos inteligentes que as de antigamente. Se forem bem guiadas, guardarão de memória ― e correta! ― a letra do hino, assim como guardaram a Ave-Maria ou Batatinha quando nasce.
 
Já houve quem ousasse ― com o beneplácito de autoridades encarregadas de zelar pela Instrução Pública ― reescrever Machado de Assis à atenção de semiletrados. Se bobear, qualquer dia aparece aí um gaiato com uma adaptação do Hino Brasileiro para mentes embotadas. Periga ser reconhecido, aplaudido e incentivado pelas otoridades” competentes. E remunerado com nosso dinheiro.
 
29 de junho de 2014
José Horta Manzano

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