"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

"REVOLTADOS E ATRASADOS"

Vocês chegaram tarde, meus caros revolucionários. Se o bolso dói, é porque
o estrago já é grande
 
O melhor diagnóstico até agora sobre as manifestações de rua veio do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência. Ele disse que as revoltas são estaduais e municipais. Não deixa de ser um alívio. Quem quiser ficar a salvo da confusão, já sabe: refugie-se no Brasil federal. Nada de ficar vagando pelo Brasil estadual e municipal, porque esse anda muito perigoso, cheio de gente insatisfeita e nervosa. No Brasil federal não, está tudo tranquilo.
 
Por sorte, Dilma Rousseff também está no Brasil federal, portanto a salvo do tumulto. Desse lugar calmo, sem culpa, ela disse que o que os manifestantes querem é o que o governo quer. São praticamente almas gêmeas. “Meu governo está ouvindo essas vozes pela mudança. Está empenhado e comprometido com a transformação social”, informou Dilma. Disse que passeata é uma coisa normal, que ela mesma já fez muito. Parecia prestes a botar uma mochila nas costas e ir para a Avenida Paulista fazer a transformação social.
 
E mostrou sua visão de estadista: “Esta mensagem direta das ruas contempla o valor intrínseco da democracia”. Às vezes, Dilma exagera na erudição. Vai acabar deixando Luís de Camões encabulado. Ela já explicara que o combate à inflação é “um valor em si”, demonstrando conhecimento profundo sobre as coisas da vida e seus valores intrínsecos. “Esta mensagem direta das ruas é de repúdio à corrupção e ao uso indevido de dinheiro público”, afirmou Dilma, praticamente uma porta-voz dos revoltosos contra tudo isso que aí está.
 
Olhando para o circo, só há uma conclusão possível: os revoltosos – os do passe livre, os dos 20 centavos, os do Ocupem Wall Street sucursal brasuca, os do turismo cívico e os do civismo vândalo – merecem Dilma. Repetindo: os revoltosos merecem Dilma. Mais que isso: são cúmplices dela, pois estavam sentadinhos em casa, enquanto a grande líder mulher brasileira perpetrava suas obras completas de explosão das finanças públicas – a céu aberto, para quem quisesse ver. Agora a inflação dói no bolso? Tarde demais, meus queridos justiceiros.
 
Essa “presidenta”, que vive lá na calmaria do Brasil federal com seus 40 ministérios (contando o do marketing, de João Santana, o único essencial), presidiu, entre outras festas, a distribuição de dinheiro público para o milagre da multiplicação de estádios da Copa. Em São Paulo, numa jogada comandada por Lula e seus amigos empreiteiros (que ele representa no exterior), o histórico Morumbi foi mandado para escanteio. Em seu lugar, surgiu o Itaquerão, novinho em folha, presente do ex-presidente ao seu clube do coração. Um mimo de R$ 1 bilhão. Sabem de onde vem esse dinheiro, bravos manifestantes?
 
Exato: dos vossos bolsos. E onde estavam vocês quando nos esgoelávamos, aqui da imprensa, sobre essa gastança populista, protegida por índices lunáticos de aprovação da “presidenta”, e avisávamos que a conta chegaria? Vocês não leem jornal?
 
Onde estavam vocês, quando a CPI do Cachoeira – com revelações da imprensa – estourou o esquema da Delta, empreiteira campeã de obras superfaturadas do PAC? Vocês sabiam que mais esse ralo de dinheiro público do governo popular ficou impune porque a CPI foi asfixiada por Dilma e sua turma? Por que vocês não saíram às ruas para gritar contra esse golpe?
 
Onde estavam vocês quando a “faxineira” asfixiou a CPI do Dnit e a investigação do maior foco parasitário de um governo que – no seu primeiro ano! – teve de demitir sete ministros suspeitos? Vocês não desconfiaram de nada? Vocês não leram que o dinheiro de vocês escoava para ONGs de fachada em convênios fantasmas? Vocês não viram essa praga, espalhada por vários ministérios do governo popular, apesar de a imprensa esfregar o escândalo na cara do Brasil? Vocês não notaram que a tecnologia do mensalão, a privatização partidária do dinheiro público, nunca saiu de cena, de Dirceu a Rosemary?
 
Vocês chegaram tarde, meus caros revolucionários. Quando o bolso dói, é porque o estrago nas contas públicas já é grande. Bem, antes tarde do que nunca. Mas prestem atenção: entendam logo o que vocês estão fazendo nas ruas, senão suas passeatas em breve estarão no mesmo museu dos escândalos que vocês não viram.

26 de agosto de 2013
Guilherme Fiuza, Epoca

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