"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

CHAT GPT E O FUTURO DA EDUCAÇÃO


                      


Um professor da prestigiada Wharton Business School submeteu sua prova final ao ChatGPT – o robô teria obtido um B ou B-. Outro professor da igualmente prestigiada IESE Business School usou a resposta dada pelo ChatGPT a uma tarefa de otimização como prova para seus alunos: eles deveriam identificar e corrigir os erros do robô. 
O fato é que no mundo – e no Brasil – educadores nos diferentes níveis de ensino se inquietam com essa inovação, as manifestações até aqui vão do medo à mais incontida euforia. Até aqui poucos encaram o assunto com a prudência necessária.

Assim como a História, as lições do passado parecem surtir pouco efeito.

O chat veio para ficar. E como isso afeta a educação? O advento do ChatGPT e da inteligência artificial, de modo geral, questionam a função da educação e, mais especificamente, da escola. 
Dado o que o ChatGPT pode fazer – e poderá mais no futuro –, qual é o papel da escola? O que muda? O que resta para a escola ensinar?

A questão não é nova, apenas se coloca de forma diferente.

Há 100 anos, Edward Thorndike – um dos gigantes da psicologia científica – enfrentou a convicção prevalente a respeito do Latim e do xadrez. A voz corrente, ainda sustentada por alguns, era a de que a aprendizagem dessas disciplinas ajudaria o aluno a aprender outras disciplinas. Desde então os estudiosos da aprendizagem continuam tentando responder a essa pergunta de 1 milhão de dólares: do que aprendemos, o que transfere para novas aprendizagens?

Inovações como o Chat GTP nos obrigam a responder: o que vale a pena ensinar? E a resposta se encontra na pergunta feita por Thorndike – qual conhecimento ajuda a obter mais conhecimento?

Para responder a essa pergunta os psicólogos usam o termo “transferência de aprendizagem”. A transferência pode ser próxima ou distante. Por exemplo, se compreendemos bem uma página de um livro de ciências ou física esse é o maior preditor de que vamos compreender bem a página seguinte. 

No contexto da Teoria do Capital Humano e especialmente da formação profissional a pergunta clássica é: o que deve ensinar a escola, ou seja, o que é conhecimento geral, e portanto se transfere para novas aprendizagens e o que é específico à empresa, suas tecnologias e procedimentos?

No caso do Latim o do xadrez, Thorndike concluiu que a transferência era virtualmente inexistente – e uma tonelada de estudos subsequentes vem confirmando essa conclusão. 
O cerne da questão é a proximidade – um conhecimento ajuda a adquirir outro dependendo da proximidade. E essa definição não é trivial. 
Entender o que é proximidade num mapa de geografia não é necessariamente o mesmo que num mapa de história. 
A transferência de aprendizagem é tanto maior quando há elementos idênticos entre o que já aprendemos e o novo conhecimento.

E aqui voltamos ao ponto de partida: o currículo escolar. É esta a discussão importante diante de uma nova tecnologia como a do Chart-GTP.

Um currículo escolar robusto se baseia numa aposta a respeito de quais são os conhecimentos relevantes para a vida. Como o tempo na escola é relativamente reduzido face ao restante da vida, essas decisões são cruciais para o futuro das pessoas e dos países. 
Até aqui existem dois grandes consensos. Um deles se refere aos conhecimentos a serem adquiridos por todos – e que devem servir de base para o exercício da cidadania e de escolhas ao final de um determinado período escolar: parar de estudar, preparar-se para entrada no mercado de trabalho ou preparar-se para prosseguir estudos. 
A outra refere-se à forma de ensino: como as pessoas sempre precisarão continuar a aprender, também é necessário aprender a aprender.

É assunto de interesse de toda a sociedade. Mas não é assunto para ser tratado por amadores. E é nesse espírito que devemos entender as provocações que ora vêm da inteligência artificial. Antes dela vieram os computadores. Antes deles a televisão. Antes dela o rádio, e daí para trás. 
O cerne da questão é saber quais são os conhecimentos essenciais e como eles ajudam a obter novos conhecimentos sem nos deixar sucumbir
ao canto da sereia de novas tecnologias.


Vivemos num país de paupérrima tradição educacional, especialmente no que diz respeito à educação de qualidade. Como sociedade temos pouquíssimo conhecimento e experiência sobre esses temas. Pouquíssimos modelos de sucesso. A BNCC – Base Nacional Curricular Comum – é o documento ridiculamente mal concebido e mal estruturado e reflete isso.

Durante a pandemia houve muitos que acreditaram que se houvesse 4G ou 5G para todos, o atraso escolar poderia ter sido evitado. A experiência dos países desenvolvidos deixou claro que esse não foi o caso. 
A escola pode ter graves problemas, mas ainda não encontramos substituto para ela
E parte do êxito da escola se baseia num currículo robusto, que provê aos indivíduos, especialmente às crianças e jovens, elementos para continuar a aprender. Ou seja, conhecimentos sólidos e capazes de ser transferidos a situações relativamente próximas que enfrentamos no mundo real, na formação profissional, nos desafios do quotidiano e que nos ajudam a continuar a aprender.

O brilhante e atuante neurocientista Stanislas Dehaene, em sua mais recente estada entre nós, deixou claro que a inteligência artificial, um dos temas de suas pesquisas, está longe do que conseguimos fazer com nossos bilhões de neurônios.

Qual a tarefa para o Brasil? As tecnologias educacionais e novas ideias e desafios, como os apresentados pelo ChatGPT, serão úteis se estimularem as autoridades e especialistas a olhar para as questões críticas que afligem a educação nacional. 
Sequer conseguimos alfabetizar todas as crianças no prmeiro ano do ensino fundamental, ou que metade deles nessa faixa dominem as habilidades básicas de linguagem e matemática.
Falta também estratégia adequada para a formação profissional em nível médio. Não precisamos da inteligência artificial para isso. Basta usar a natural. Mas é preciso usá-la.

15 de outubro de 2024
Escrito por
João Batista Araujo e Oliveira

OBS: Os destaques em negrito feitos por mim, são de minha responsabilidade.

João Batista Araujo Oliveira é referência nacional em educação. Atuou como professor, pesquisador, consultor e ocupou cargos executivos em organismos nacionais e internacionais. É fundador e presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG promotora de políticas práticas de educação que priorizam a alfabetização. Foi secretário-executivo do MEC (1995) e idealizou o programa Acelera Brasil, que visa acelerar e corrigir o fluxo escolar com o apoio do Instituto Ayrton Senna. 
É psicólogo e Ph.D em Educação pela Florida State University (EUA). Já publicou dezenas de livros, entre eles: 
“A Pedagogia do sucesso” (Saraiva, 2001), 
“A Escola vista por dentro” (Alfa Educativa, 2002), 
“ABC do alfabetizador” (Alfa Educativa , 2005), 
“Aprender e ensinar” (Alfa Educativa, 2006), 
“Reforma na educação: por onde começar?” (Alfa Educativa, 2006), “Usando textos na sala de aula: tipos e gêneros textuais” (Alfa Educativa, 2006), 
“Alfabetização de crianças e adultos: novos parâmetros” (Alfa Educativa, 2007).


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