"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 14 de junho de 2020

OS PRIMEIROS PRISIONEIROS DE AUSCHWITZ

Em 14 de junho de 1940, chegava primeiro trem trazendo prisioneiros ao campo de concentração. 
Dos 728 que desembarcaram naquele dia apenas 325 sobreviveram. Memorial trabalha na reconstrução da história de cada um 
deles.

© Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau Primeiro trem com prisioneiros chegou a Auschwitz em 14 de junho de 1940

"Minha amada Halusia, desde 14 de junho, estou no campo de concentração de Auschwitz, estou com saúde, me sinto bem", escreveu Tadeusz Korczowski, prisioneiro número 373, à sua noiva em 1940. A correspondência era meticulosamente controlada pela administração do local. O jovem de 26 anos não tinha outra escolha senão elogiar o "clima agradável em Auschwitz". Nas entrelinhas, ele até tentou avisar que ficaria "mais tempo" por ali.

Com o mesmo transporte em 14 de junho de 1940, veio Janusz Pogonowski, estudante de 19 anos, que foi condenado à morte junto com 11 outros prisioneiros em 1943, por ter participado da resistência no campo. Enquanto esperava pendurado com a corda no pescoço, ele conseguiu afastar a base sobre a qual se encontrava e, assim, se enforcar ‒ para que ele pudesse pelo menos escolher o momento de sua morte, relataram sobreviventes. "Morte cardíaca súbita", lia-se na certidão de óbito que a família recebeu pelo correio.

Korczowski e Pogonowski estavam entre os primeiros prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, que foi erguido no início de 1940 nos edifícios de um antigo quartel polonês. O comandante da força paramilitar Schutzstaffel (SS), Heinrich Himmler, gostava da localização do campo, considerada adequada para o transporte de prisioneiros de diferentes partes da Europa ocupada.

Dos 728 poloneses que foram transferidos da prisão na cidade polonesa de Tarnów para Auschwitz, três quartos deles eram homens com menos de 30 anos. O grupo era composto em sua maioria por intelectuais e estudantes. Trinta criminosos alemães, que a SS trouxera pouco antes do campo de concentração de Sachsenhausen, assumiram os postos de vigias e guardas.

© Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau Janusz Pogonowski foi morto em Auschwitz

Os prisioneiros poloneses foram vítimas da política de ocupação alemã, que visava destruir as elites do vizinho ocupado. Depois que as tropas alemãs invadiram a Polônia em 1º de setembro de 1939, a Alemanha nazista incorporou as regiões ocidentais da Polônia ao Reich. Em julho de 1940, as tropas de ocupação assassinaram 50 mil poloneses no país como parte da chamada "ação de inteligência" e deportaram o mesmo número para campos de concentração.

No Governo Geral, isto é, nas regiões polonesas sob administração civil alemã, uma ação semelhante ocorreu sob o nome "ação extraordinária de pacificação". Deportações, batidas policiais e assassinatos marcaram o cotidiano da política de ocupação no país. No final de 1942, por exemplo, foram expulsos de Zamość, no sudeste da Polônia, 100 mil residentes, incluindo 30 mil crianças. Muitos deles morreram em Auschwitz. Entre 1939 e 1945, um total de 140 mil poloneses foram deportados para o campo de concentração, metade deles não sobreviveu.

"A Polônia deveria desaparecer como Estado. A população deveria emburrecer e servir aos alemães como escravos trabalhadores", afirmou Jochen Böhler, historiador especializado em Europa Oriental na Universidade de Jena.

A destruição das elites que organizavam a resistência tinha uma importância particular. "A resistência polonesa, inacreditavelmente, montou um Estado clandestino no país ocupado, não apenas com escolas e universidades, mas também com seu próprio Exército. Isso é único na história da Europa", enfatizou Böhler.

Alertas precoces sobre o Holocausto

O Estado secreto via como uma de suas tarefas mais importantes alertar o mundo sobre os crimes nazistas, especialmente sobre o extermínio de judeus na Polônia ocupada. Böhler considera uma "tragédia da clandestinidade polonesa" que essas "más notícias" não foram ouvidas.

Witold Pilecki, oficial do Exército clandestino polonês, chegou a entregar relatórios sobre Auschwitz aos Aliados em 1940. Para essa missão, ele foi voluntariamente para Auschwitz como prisioneiro ‒ ele foi o único a fazer isso de que se tem notícia. Pilecki esperava que os Aliados contrabandeassem armas para o campo, mas seus relatos permaneceram sem resposta.

© picture-alliance/akg-images Prisioneiros em Auschwitz: memorial trabalha no resgate da história deles

O mesmo aconteceu com O meu testemunho perante o mundo, de Jan Karski. A carta da resistência polonesa informou pessoalmente o então presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt, em 1943, sobre as deportações em massa de judeus para as câmaras de gás. "Queria salvar milhões e não consegui fazê-lo nem por uma única pessoa", disse Karski amargamente após a guerra. Ele acusou repetidamente o Ocidente de "indiferença frente ao Holocausto".

Embora tenha sido "único na história da Europa", o Estado clandestino polonês é pouco conhecido "fora da Polônia", contou Böhler. O mesmo se aplica aos crimes dos alemães na Polônia ocupada. "O problema, na minha opinião, é que o Holocausto geralmente se ensina completamente separado dos contextos em que aconteceu. E isso foi precisamente a ocupação alemã na Polônia, cujo objetivo era matar judeus europeus em solo polonês a partir de 1941", acrescentou o historiador.

Dos 3,5 milhões de judeus poloneses, mais de 90% morreram no Holocausto. Mas o fato de que 3 milhões de poloneses não judeus também foram vítimas da Segunda Guerra Mundial é "completamente ignorado" na Alemanha, afirmou Böhler. Em suas aulas sobre a ocupação alemã na Polônia, ele diz que tem que "literalmente começar do zero".

Destinos mais importantes que estatísticas

O memorial e museu de Auschwitz-Birkenau quer manter essa memória viva. A lista de nomes do primeiro transporte acaba de ser atualizada. Dos 728 prisioneiros, 325 sobreviveram ao campo, 292 morreram, o paradeiro de 111 é desconhecido. Os destinos pessoais são meticulosamente reconstruídos a partir dos poucos documentos e fotos restantes, que em sua maioria vem dos parentes das vítimas. A SS destruiu a maior parte dos registros para apagar os vestígios dos crimes.

Desde 2007, a área de 200 hectares do antigo campo de concentração é Patrimônio Mundial da Unesco. Em 2019, o memorial recebeu 2 milhões de visitantes. Recentemente, seu diretor Piotr Cywinski teve que pedir doações, já que a receita da instituição encolheu devido ao fechamento do museu, como resultado da pandemia de coronavírus. No entanto, os especialistas não pararam de trabalhar.

"Ainda estamos trabalhando nas histórias individuais. A grande história de Auschwitz consiste em mais de 1,3 milhão de destinos individuais", disse Cywinski. Esses destinos são mais expressivos do que as meras estatísticas da morte, disse o diretor. Com eles, Cywinski quer contar ao mundo sobre a fábrica da morte de Auschwitz.


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14 de junho de 2020
Autor: Monika Sieradzka (ca)

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