A reforma da Previdência é uma espécie de convite para que o Brasil deixe de ser um país adolescente e comece a se comportar como gente grande.
É evidente que muita gente terá de trabalhar mais. É exatamente isto que acontece quando um país envelhece, a longevidade aumenta e o modelo previdenciário se torna insustentável.
É quase inútil, neste debate todo, repetir à exaustão os números do nosso desastre. O déficit da Previdência chegou a R$ 290 bilhões, gastamos perto de 12% do PIB com o sistema, uma colcha de retalhos construída aleatoriamente, ao longo do tempo, segundo a capacidade de pressão de cada corporação.
Tudo isso é sabido e discutido todos os dias, país afora.
O ponto central é que a reforma da Previdência é um típico dilema da ação coletiva: no conjunto e a longo prazo, todos ganham. Mas no curto prazo e de modo concentrado, um punhado relevante de grupos sociais perdem.
Grupos que, não por acaso, dispõem de enorme capacidade de pressão política.
Leia mais
Helio Gurovitz: A oportunidade de Bolsonaro
Paulo Tafner: ‘Não se pode negociar muito a idade mínima’
Vamos lá. O funcionalismo público, por óbvio, não irá gostar da equiparação da idade mínima em 62/65 anos. Quem, em seu juízo normal, decidiria trabalhar mais cinco ou sete anos, como contribuição para o equilíbrio fiscal do país?
O mesmo vale para os professores, em especial para as professoras. Por que elas deveriam trocar a agradabilíssima perspectiva de uma aposentadoria aos 50 anos, por mais dez anos de trabalho, preparando aulas e corrigindo provas?
E mais: trocar uma aposentadoria integral, aos 60 anos, por uma integralidade condicionada a um tempo de contribuição de 40 anos?
O mesmo vale para os militares. Eles ficam de fora da PEC, mas logo serão objeto de um projeto de lei específico. E a pergunta será a mesma. Para que mudar alguma coisa em um sistema que permite a aposentadoria integral a mais de metade de seus quadros antes dos 50 anos?
O raciocínio vale para agentes penitenciários, socioeducativos, servidores dos estados, parlamentares, carreiras jurídicas e para a classe média trabalhadora do regime geral, que dispunha da generosa prerrogativa de se aposentar exclusivamente pelo tempo de contribuição, sem a idade mínima.
Cada um desses grupos estará devidamente representado no Congresso, e fará um enorme barulho no mundo digital. E cada um terá, anotem aí, ótimas razões para defender suas prerrogativas.
Professores dirão que a profissão é desgastante; policiais acrescentarão o estresse e o risco; militares enfatizarão que não têm sindicato, não fazem greve e que sequer dispõem de um regime previdenciário; servidores de carreiras bem pagas, do setor público, dirão que possuem direitos adquiridos e pedirão de volta o dinheiro que já pagaram ao sistema.
Cada um terá, a seu modo, alguma razão.
Os políticos que se opõem à reforma insistirão na tese de que a expectativa de vida no país é baixa e desigual. Que em alguns estados mal chega aos 65 anos, o que levaria a média dos cidadãos a morrer antes de se aposentar.
+ Previdência: Idade mínima começará em 61 anos para homens e 56 para mulheres
O argumento é falso como uma nota de três reais. O que importa, no debate previdenciário, é expectativa de vida após os 60 ou 65 anos. No Brasil, mulheres vivem, em média, 24 anos após os 60, índice próximo a de muitos países europeus.
O mercado político é feito exatamente disso: boas razões, pressão corporativa, muita retórica e toneladas de demagogia.
Nosso sistema político terá de vencer tudo isto. Terá de vencer, inclusive, o inimigo mais perigoso da reforma: o político que se diz a seu favor, mas não exatamente dessa reforma que tramita no Congresso. Foi um pouco o que fez, no passado, o então deputado Jair Bolsonaro.
No fundo, é a posição mais cômoda de todas: o sujeito vocifera ao lado da minoria barulhenta, vota contra a reforma realmente existente e possível, mas discursa alegremente a favor da reforma imaginária, que ele sabe que nunca irá acontecer.
Diante de um quadro como este, é possível acreditar que a reforma tenha chance, no Congresso? Creio que ninguém tem, com alguma dose de precisão, esta resposta.
O Brasil já demonstrou ser capaz de aprovar reformas impopulares. A reforma trabalhista foi uma delas, e teve como articulador exatamente o então deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), hoje principal responsável pelas negociações da reforma da Previdência.
Há muitos sinais que permitem certo otimismo. A habilidade de Rodrigo Maia (DEM-RJ), a boa desenvoltura até agora demonstrada por Paulo Guedes, a força de um presidente odiado por parte significativa da elite intelectual, mas com respaldo na sociedade e ainda em lua de mel pós-eleitoral.
E um enorme consenso de que chegou a hora, finalmente, do Brasil fazer uma reforma que corrige distorções e caminha na direção da igualdade. E de quebra evita que o país vá à falência.
2019 promete.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 20/02/2019
24 de fevereiro de 2019
Fernando Luis Schuler
É evidente que muita gente terá de trabalhar mais. É exatamente isto que acontece quando um país envelhece, a longevidade aumenta e o modelo previdenciário se torna insustentável.
É quase inútil, neste debate todo, repetir à exaustão os números do nosso desastre. O déficit da Previdência chegou a R$ 290 bilhões, gastamos perto de 12% do PIB com o sistema, uma colcha de retalhos construída aleatoriamente, ao longo do tempo, segundo a capacidade de pressão de cada corporação.
Tudo isso é sabido e discutido todos os dias, país afora.
O ponto central é que a reforma da Previdência é um típico dilema da ação coletiva: no conjunto e a longo prazo, todos ganham. Mas no curto prazo e de modo concentrado, um punhado relevante de grupos sociais perdem.
Grupos que, não por acaso, dispõem de enorme capacidade de pressão política.
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Vamos lá. O funcionalismo público, por óbvio, não irá gostar da equiparação da idade mínima em 62/65 anos. Quem, em seu juízo normal, decidiria trabalhar mais cinco ou sete anos, como contribuição para o equilíbrio fiscal do país?
O mesmo vale para os professores, em especial para as professoras. Por que elas deveriam trocar a agradabilíssima perspectiva de uma aposentadoria aos 50 anos, por mais dez anos de trabalho, preparando aulas e corrigindo provas?
E mais: trocar uma aposentadoria integral, aos 60 anos, por uma integralidade condicionada a um tempo de contribuição de 40 anos?
O mesmo vale para os militares. Eles ficam de fora da PEC, mas logo serão objeto de um projeto de lei específico. E a pergunta será a mesma. Para que mudar alguma coisa em um sistema que permite a aposentadoria integral a mais de metade de seus quadros antes dos 50 anos?
O raciocínio vale para agentes penitenciários, socioeducativos, servidores dos estados, parlamentares, carreiras jurídicas e para a classe média trabalhadora do regime geral, que dispunha da generosa prerrogativa de se aposentar exclusivamente pelo tempo de contribuição, sem a idade mínima.
Cada um desses grupos estará devidamente representado no Congresso, e fará um enorme barulho no mundo digital. E cada um terá, anotem aí, ótimas razões para defender suas prerrogativas.
Professores dirão que a profissão é desgastante; policiais acrescentarão o estresse e o risco; militares enfatizarão que não têm sindicato, não fazem greve e que sequer dispõem de um regime previdenciário; servidores de carreiras bem pagas, do setor público, dirão que possuem direitos adquiridos e pedirão de volta o dinheiro que já pagaram ao sistema.
Cada um terá, a seu modo, alguma razão.
Os políticos que se opõem à reforma insistirão na tese de que a expectativa de vida no país é baixa e desigual. Que em alguns estados mal chega aos 65 anos, o que levaria a média dos cidadãos a morrer antes de se aposentar.
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O argumento é falso como uma nota de três reais. O que importa, no debate previdenciário, é expectativa de vida após os 60 ou 65 anos. No Brasil, mulheres vivem, em média, 24 anos após os 60, índice próximo a de muitos países europeus.
O mercado político é feito exatamente disso: boas razões, pressão corporativa, muita retórica e toneladas de demagogia.
Nosso sistema político terá de vencer tudo isto. Terá de vencer, inclusive, o inimigo mais perigoso da reforma: o político que se diz a seu favor, mas não exatamente dessa reforma que tramita no Congresso. Foi um pouco o que fez, no passado, o então deputado Jair Bolsonaro.
No fundo, é a posição mais cômoda de todas: o sujeito vocifera ao lado da minoria barulhenta, vota contra a reforma realmente existente e possível, mas discursa alegremente a favor da reforma imaginária, que ele sabe que nunca irá acontecer.
Diante de um quadro como este, é possível acreditar que a reforma tenha chance, no Congresso? Creio que ninguém tem, com alguma dose de precisão, esta resposta.
O Brasil já demonstrou ser capaz de aprovar reformas impopulares. A reforma trabalhista foi uma delas, e teve como articulador exatamente o então deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), hoje principal responsável pelas negociações da reforma da Previdência.
Há muitos sinais que permitem certo otimismo. A habilidade de Rodrigo Maia (DEM-RJ), a boa desenvoltura até agora demonstrada por Paulo Guedes, a força de um presidente odiado por parte significativa da elite intelectual, mas com respaldo na sociedade e ainda em lua de mel pós-eleitoral.
E um enorme consenso de que chegou a hora, finalmente, do Brasil fazer uma reforma que corrige distorções e caminha na direção da igualdade. E de quebra evita que o país vá à falência.
2019 promete.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 20/02/2019
24 de fevereiro de 2019
Fernando Luis Schuler
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