"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 4 de novembro de 2017

A ESCRAVA LUISLINDA

A ministra dos Direitos Humanos, logo ela, quis aproveitar a onda contra o “trabalho escravo” para dobrar o seu salário. Assim também já é demais

Ninguém sabia até algumas horas atrás quem era essa Luislinda Valois, ministra dos Direitos Humanos – sim, acredite ou não, existe tal emprego no Brasil Para Todos: “ministro dos Direitos Humanos”, com direito a carro chapa branca e todas aquelas outras cerejas no bolo que você conhece tão bem. Luislinda, em condições normais, seria mais um caso de alta autoridade que faz a costumeira viagem do anonimato para o anonimato. 
Mas a ministra resolveu aparecer – e armou um desastre que, a partir de agora, se transforma na história da sua vida. “Luislinda?”, vão dizer no futuro os que ainda se lembrarem do caso. “É aquela que queria ganhar 60.000 reais por mês, porque acha que os 33.000 e tantos que está ganhando são tão pouco que caracterizam trabalho escravo.”

A ministra queria somar o seu salário de desembargadora na Bahia aos vencimentos que tem à frente o ministério. Não pode, embora seja praticado abertamente de norte a sul em nosso Brasil brasileiro por um monte de gente que manda mais do que ela. Mas há certas coisas que não dá para fazer nem em Brasília. Dizer-se vítima de “trabalho escravo” ganhando mais de 30.000 reais por mês, e pedir que o erário público lhe pague o dobro do que já está pagando, é uma delas.

Não deu certo. Todo o mundo ficou sabendo, porque foi publicado na imprensa, e Luislinda teve de desistir subitamente do requerimento que havia feito. Porque desistiu, se achava que tinha razão? Afinal, ela foi capaz de escrever uma petição com mais de 200 páginas exigindo os seus 60.000. É coisa muito pensada, que levou tempo e deu trabalho para fazer – só de pensar na obrigação de ler um negócio desses a pessoa já fica exausta. Se considerava a si mesma tão cheia de razão, tinha de insistir no seu pedido – no mínimo, para não incentivar essa turma que, segundo a pregação corrente na praça, quer abolir a abolição da escravatura. Mais: se o governo não iria atender ao seu grito de revolta, ela teria, pelo menos, de pedir demissão do cargo.

Que esperança. Luislinda continua lá, com salário de escrava e tudo, porque no fim das contas é isso o que lhe interessa: ficar. É a atitude clássica do mandarim brasileiro. Se faz alguma coisa escondido e ninguém percebe, beleza. Se ficarem sabendo e der confusão, Suas Excelências caem fora.

O ministério ocupado por Luislinda, em si, já é uma trapaça gigante. Direitos Humanos? Como, num governo que gasta mais de 1 trilhão de reais por ano, não há ninguém para cuidar disso? Precisa de ainda mais gente? É engraçado: quando mais imprestável é alguma coisa no serviço público, maior é a tendência de seus responsáveis se meterem em casos assim. A ministra só é diferente numa coisa, apenas uma, da manada de promotores, procuradores, juízes, desembargadores (ela tem esse cargo, aliás), ministros dos tribunais regionais, superiores e supremos, marajás variados, etc.: quase todos eles violam sem o menor constrangimento a lei do teto salarial e saem ganhando sempre. Luislinda, no fundo, é apenas mais uma prova, agora apresentada de uma forma francamente patética, do mundo de demência em que vivem os altos funcionários deste país. Passam a acreditar, com empenho fanático, que a realidade é aquela que vivem, e que o pagador de impostos tem a obrigação de prover o bem estar que decidem ser indispensável para si próprios. A psiquiatria chama isso de “desordem delusional” – o conjunto de alucinações e crenças psicóticas através das quais o indivíduo nega a realidade ao seu redor e constrói um universo artificial onde tudo existe em função de seu interesse pessoal. É um distúrbio ilusório grave. Parece que não tem cura.

04 de novembro de 2017
J.R.Guzzo,  VEJA

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