No desespero de encontrar uma saída e evitar a cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, o presidente Michel Temer ficou impressionando com a desenvoltura com que foi defendido por Torquato Jardim, que estava no Ministério da Transparência, e imediatamente o promoveu a ministro da Justiça, de forma precipitada e deselegante, sem comunicar nada ao então ocupante do cargo, seu velho amigo e companheiro de bancada Osmar Serraglio.
AUTOCARBURANTE – O que Temer não sabia é que Torquato Jardim é do tipo autocarburante, que se queima sozinho na fogueira das vaidades, como diria o genial escritor Tom Wolfe. O fato concreto é que Jardim fala demais, não mede as palavras e acaba fazendo bobagens.
Na longa e reveladora entrevista que concedeu aos jornalistas Renata Mariz, Sérgio Fadul e Francisco Leali, publicada em O Globo nesta sexta-feira, o neoministro não conseguiu resistir à tentação, caiu em várias contradições e cometeu um erro terrível e definitivo – mentiu para os repórteres e tudo ficou gravado, não dá para alegar que foi houve erro de interpretação.
DESVIO DE FINALIDADE – Ficou claro que Torquato Jardim não estava dando a entrevista como ministro da Justiça, pois revelou desconhecer os principais problemas da pasta – problema da segurança, política carcerária e questão indígena. Ele falava como se fosse advogado de defesa do presidente Michel Temer, em claríssimo desvio de finalidade, porque essa competência institucional é da Advocacia-Geral da União.
O novo ministro não esperava que os três jornalistas tivessem se preparado com tamanha profundidade para entrevistá-lo. Todas as ardilosas alegações que apresentava eram imediatamente questionadas, Jardim foi encurralado o tempo todo.
Não conseguiu dar explicações convincentes nem mesmo sobre o julgamento do TSE, tribunal onde trabalhou oito anos como ministro. E foi justamente nesta parte da entrevista que cometeu o maior erro, ao mentir para os repórteres. Confiram a gravação:
A jurisprudência do TSE é de que não se separa contas. Como o presidente Temer se livra disso?Primeiro que há jurisprudência nos dois sentidos. Há precedentes também a favor da tese.
O senhor se lembra de algum caso?Não tenho de memória. Uma coisa curiosa na Justiça Eleitoral é que ela tem composição cambiante. No TSE, você tem três ministros do Supremo que ficam até quatro anos, dois do STJ que ficam até dois anos e mais dois advogados que vão até quatro anos, normalmente. Dependendo do dia, vai mudar a jurisprudência. Na campanha de 2014, houve um tema em que você teve mudança de entendimento por três vezes, devido a substituições na Corte. No julgamento do governador de Roraima, o tribunal mandou executar imediatamente, de forma contrária à jurisprudência, que mandava aguardar o julgamento dos embargos de declaração.
MENTIRA DESLAVADA – Um ex-ministro do TSE que se considera capaz de opinar sobre o mais importante julgamento da história do tribunal, com toda certeza deveria estar preparado para citar a lei ou a jurisprudência em que se baseia. No entanto, o que ele fez foi inventar uma jurisprudência que não existe e jamais existiu, muito pelo contrário. Torquato Jardim disse que “há precedentes” de separação de contas de campanha. Veio a pergunta direta: “O senhor se lembra de algum caso?”. E a resposta foi deprimente: “Não tenho de memória” – foi obrigado a admitir, porque jamais houve nenhum precedente de separação de contas.
O neoministro, dublê de advogado de defesa, então passou a embromar, tentando fugir do assunto, acabou cometendo outro erro fatal, ao espontaneamente citar uma jurisprudência altamente negativa para Temer – o caso do governador de Roraima, Flamarion Portela, em 2004, no qual o TSE mandou executar imediatamente a cassação, sem aguardar julgamento de embargos de declaração e recurso ao STF. Ou seja, não houve o “efeito suspensivo” da sentença que Temer sonha obter, caso seja cassado. Na hora errada, o atrapalhado ministro Jardim foi lembrar justamente a jurisprudência errada…
GILMAR TAMBÉM MENTIU – A respeito das jurisprudências do TSE, Torquato Jardim não é o primeiro a mentir. O ministro Gilmar Mendes também o fez, ao inventar uma suposta jurisprudência de separação de contas de campanha, que teria ocorrida em outro julgamento em Roraima, envolvendo o governador Ottomar Pinto e seu vice José de Anchieta.
Para ajudar Temer, seu amigo há 30 anos, Gilmar Mendes citou uma jurisprudência inexistente, porque na verdade Pinto e Anchieta foram inocentados por falta de provas, jamais houve no TSE um caso de separação de contas em processo de cassação por abuso do poder econômico e outros crimes eleitorais.
Gilmar Mendes mentiu, ficou por isso mesmo. Agora, Torquato Jardim também mentiu, não vai acontecer nada, porque no Brasil ninguém liga para isso, que diferença faz, no meio de tanta mentira?
03 de junho de 2017
Carlos Newton
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