"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de setembro de 2016

REFLEXÕES SOBRE A PRISÃO DE MANTEGA E A INTERPRETAÇÃO DA LETRA FRIA DA LEI


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Guido Mantega, de boné preto, ao ser conduzido à sede da PF
Lei é lei. Isso é verdade. Mas o magistrado precisa estudar a situação para entender o que é razoável. Vamos relatar um fato que ocorreu na década de 70, quando a Lei de Tóxico não distinguia entre traficante e usuário, dependente, experimentador… A todos tratava com o mesmo rigor: penas de reclusão por mais de 10 anos. Eis o fato, acontecido aqui no Rio.
Uma jovem de 18 anos, que nunca tinha fumado um cigarro de maconha, decidiu comprá-lo na calçada da Rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Queria experimentar. Abordada pela polícia quando seguia para a sua casa, foi presa com a droga e encaminhada à delegacia.
O auto de prisão em flagrante caiu nas mãos da juíza Márcia Nunes, da vara criminal estadual (hoje a Dra. Márcia é juíza federal, por concurso), pessoa simples, de voz baixa, que não usa pintura e se veste com roupa simples e já a vi usando sandália e fazendo compras na feira, puxando carrinho.
AUDIÊNCIA – Eu estava presente quando a jovem foi apresentada à juíza que lhe perguntou se ela era usuária. A moça respondeu que era a primeira vez. Então a juíza disse a ela.
“Não vou condenar você porque no cumprimento da pena aí mesmo e que você corre o risco de se tornar usuária por causa do ambiente prisional. Vou absolver você. Mas uma vez por mês se apresente a mim para contar o que anda fazendo na vida”.
A moça chorou. E durante quase um ano compareceu uma vez por mês à presença da Juíza Márcia. Até que um dia desapareceu. Então a juíza mandou uma intimação para a sua casa. Foi quando a mãe e a irmã da moça foram até a juíza para dizer que ela tinha se recolhido a um convento de irmãs beneditinas. E forneceu o endereço e telefone. A Juiza após confirmar que a notícia era mesmo verdadeira, dispensou a moça da obrigação do comparecimento.
Hoje, passados mais de 40 anos, aquela moça, agora com quase 60 de idade, continua lá no convento beneditino e se tornou freira.
LETRA FRIA DA LEI – A lei é para todos. Se a juíza fosse aplicar a fria letra da lei, a moça seria condenada a mais de 10 anos de reclusão. Mas a sensibilidade, a inspiração, e a imensa visão humana e social da juíza salvaram aquela jovem de um destino crudelíssimo para lhe proporcionar uma vida pura, sem vícios, defeitos e vaidade.
Aquela moça, hoje Irmã Teresa (nome onomástico) soube aproveitar a oportunidade que a Divina Providência lhe deu. Aquela moça é minha afilhada. Minha esposa e eu, por mera coincidência do destino, estávamos presentes na audiência quando ela foi apresentada à juíza e por isso presenciamos tudo o que aconteceu. Ficamos comovidos e decidimos também ajudá-la. E na sua ordenação fomos ser padrinhos.
A lei é mesmo para todos. Mas foi sábio o legislador quando estabeleceu no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que: “Artigo 5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (Decreto-lei nº 4657, de 4 de Setembro de 1942).
O CASO DE MANTEGA – O que afirmou o ministro Celso de Mello, conforme se lê na entrevista dele, sobre a perspectiva de a prisão ser feita em qualquer lugar, diz respeito à generalidade. Não, às peculiaridades. O ex-ministro Mantega estava dentro de um hospital acompanhando sua mulher que, segundo constou, se preparava para uma intervenção. Ela tem câncer.
Não havia pressa para prender o ministro, que nem ofereceu resistência. Poderia ter sido preso dia ou dias depois. Nem ele é um condenado por um tribunal. Nem denunciado é. E ao revogar a prisão, o que fez espontaneamente o juiz Moro, este escreveu que a prisão se tornava desnecessária uma vez que o que foi apreendido na casa do ministro era suficiente e o ex-ministro não colocava em risco o sucesso da diligência policial, nem as investigações.
Se ficou constatado que Mantega não representava perigo, por que prendê-lo? Não se faz aqui a defesa do ex-ministro, mas a defesa do que é razoável, o que é coerente e diz respeito ao bem comum.

25 de setembro de 2016
Jorge Béja

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