"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O COITADO DO LULA



Diante das investigações envolvendo denúncias de ocultação de patrimônio e do recebimento de favores de duas grandes empreiteiras, o ex-presidente Lula partiu para o ataque. Classificando os meios de comunicação como “imprensa facciosa”, o antigo líder sindicalista assume o papel de vítima. 
A respeito do famoso tríplex do Guarujá – cujas notícias são tratadas como “invencionices” –, a assessoria de imprensa do ex-presidente não poupa palavras: 
“A mesquinhez dessa ‘denúncia’, que restará sepultada nos autos e perante a História, é o final inglório da maior campanha de perseguição que já se fez a um líder político neste país”.

Além de transmitir certo tom de desespero, a estratégia de defesa de Lula ultrapassa os limites do ridículo. Tudo é superlativo. 
Numa semana, Lula é o maior santo da história brasileira. “Não existe viva alma mais honesta do que eu neste País”, afirmou no dia 20 de janeiro o ex-presidente. E ainda desafiou todos os brasileiros de bem: “Pode ter igual, mas eu duvido”. 
Na semana seguinte, é o maior perseguido político ao longo de toda a história brasileira. Subir em vida nos altares da glória é sempre um arriscado passo.

Além disso, seu entorno político faz questão de deixar claro que Lula não sofre de destemperança verbal ou de arrebatamento retórico – fala acima do tom de caso pensado, para vender a ideia de que é um coitado e está sofrendo um massacre.

Os supostos ataques contra Lula nada mais são do que a revelação de informações de alto interesse público: a promiscuidade do ex-operário com as grandes empreiteiras. Revela-se também como algumas dessas empresas se esforçam por oferecer um pouco de bem-estar ao líder político que cresceu atacando as elites. 
Não publicar tais informações seria dispensar um tratamento privilegiado a quem sempre afirmou combater os privilégios.

É compreensível o desejo de Lula de que essas informações permanecessem ocultas. Com seu faro político, sabe bem que essas notícias esburacam o que esperava que fosse um fácil caminho para 2018. 
Certamente Lula intui como o povo – esse que sofre as consequências da grave crise econômica, com inflação e desemprego crescentes, e não tem a quem recorrer na hora da reforma da casa – vê tudo isso: apartamento, sítio, cotas, reformas, barco, amizades, favores, pescarias.

A compreensível irritação de Lula diante de todas essas notícias não justifica, no entanto, sua metralhadora giratória contra a imprensa. 

Democratas não agem assim. As coisas mal explicadas, mal contextualizadas, um democrata honesto trata de explicá-las convincentemente. Lula sempre teve à sua disposição todos os meios para informar com transparência. 
No tempo em que ainda distinguia a sua realidade do mito que não parou de criar, Lula não se cansava de dizer que devia a sua ascensão social e política ao trabalho da imprensa. Mas ele mudou, sem deixar de ser o mesmo. Agora tenta, sem sutilezas, fazer o povo de bobo, menosprezar sua inteligência ou seu senso comum.

A vitimização de Lula é realmente muito perigosa, desperta talentos e instintos bestiais. Seu fiel escudeiro, Tarso Genro, por exemplo, escreveu em sua conta no Twitter: 
“A mídia faz de Lula o judeu da década, como os nazis fizeram deles e comunas os alvos do seu ódio à democracia social. É só ler. Weimar”.
Isso não é apenas um grosseiro despropósito. É um desrespeito que atinge até mesmo quem o proferiu, além de causar óbvios e profundos danos à verdade e à democracia.

O ex-presidente Lula não está sendo perseguido, massacrado ou muito menos torturado. Tem a seu dispor todos os legítimos meios de defesa característicos de um Estado Democrático de Direito. Se não os usa, é porque não confia em sua eficiência, ou melhor, sabe que tais meios desembocam naquilo que ele quer evitar: a verdade. Prefere a demagogia – a arte de engabelar os trouxas.



08 de fevereiro de 2016
Editorial Estadão
in resistência democrática

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