"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 9 de janeiro de 2016

MINISTROS NÃO TINHAM CONDIÇÕES DE DISCUTIR REGIMENTO DA CÂMARA



A sessão ia apenas discutir liminares e não o mérito da questão

“Jura Novit Curia” (O juiz conhece o Direito) e “Narrat Mihi Facto Dabo Tibi Ius” (Basta me narrar o fato que dou o Direito) não são princípios absolutos. Se num processo judicial a parte debate sobre direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, precisa fazer prova do seu teor ou vigência, conforme determina o artigo 337 do Código de Processo Civil, então, o que dizer quando está em causa mero Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que é só do conhecimento dos deputados e olhe lá! 
Como muito mais razão o Regimento inteiro precisa ser exposto e comprovado. Daí porque não se chega ao ponto de exigir que os ministros do Supremo o conhecessem, para que fosse dispensada a prova do seu teor e vigência. Mormente num processo que começou e acabou em 6 ou 7 dias.

Na quinta-feira, 10 de dezembro, 2015, por votação secreta, a chapa 2 para formar a Comissão Especial do Impeachment foi eleita pelo plenário da Câmara dos Deputados. No mesmo dia, à noite, o ministro Fachin ordenou a suspensão do resultado da votação e marcou sessão do pleno do STF para  que todos os ministros conhecessem e decidissem, no dia 16 seguinte, sobre os pedidos de liminares que o PCdoB formalizou na Medida Cautelar embutida na ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que o partido deu entrada no STF naquela mesma tarde.Tudo muito rápido, portanto.

APRECIAR AS LIMINARES…

A finalidade da sessão do dia 16 era, exclusivamente, apreciar as liminares em Medida Cautelar. Ora, ora, não se podia esperar que os 10 outros ministros (à exceção do esforço hercúleo e dedicação integral do relator Fachin), em 5 dias (incluindo sábado,12 e domingo, 13) fossem estudar o Regimento Interno da Câmara, que contém muitos artigos e é enorme. Aliás, os 10 outros ministros nem conheciam a petição inicial da ação do PCdoB. Apenas o relator Fachin conhecia, pois a peça estava em seu poder e de mais ninguém. 
Nenhum outro ministro conhecia o conteúdo das 74 páginas que compunham a petição da ação do PCdoB. Como, então, exigir que no dia 16 (dia da sessão de julgamento) e no dia seguinte (17) quando a sessão terminou, os 10 outros ministros estivessem inteirados do conteúdo e das questões relevantes abordadas na petição da ação do PCdoB?

É uma exigência impossível de ser atendida, levando em conta o acúmulo de processos outros que cada ministro tem sob sua responsabilidade e relatoria. Ainda que não tivessem tantos processos a despachar e julgar, mesmo assim, convenhamos, seis dias para estudos, complexos e de alta indagação, é tempo exíguo demais.

SÓ QUATRO PONTOS

Todos os ministros foram para a sessão confiando no relator — que não decepcionou nem fez feio — e  também confiando no ministro que votou depois, no dia seguinte, o ministro Barroso. Quando começou a votar, Barroso fez questão de dizer que divergia do relator em apenas quatro pontos e que seu voto seria rápido e objetivo. E, mostrou os quatro dedos da mão direita para indicar, sem margem de erro, que eram mesmo quatro as divergências. 

Dotado do dom da oratória, com gestual próprio e de bom gosto, olhar penetrante, de porte esbelto e voz tonitruante de um metálico em si bemol, e expondo um raciocínio de sonora convicção, o voto de Barroso foi o vencedor. 
Mesmo que Barroso não tendo lido, por inteiro, o artigo do Regimento Interno da Câmara que previa votação secreta também para “as demais eleições”, que foi o que ficou faltando  da leitura que Barroso fez do RI da Câmara, ao retomar o aparte que havia concedido ao ministro Zavascki, mesmo assim o voto de Barroso prevaleceu. E os demais ministros acreditaram na performance retórica de Barroso e a maioria com ele votou.

O ADVOGADO AVISOU…

O comentarista Moacir Pimentel mandou à Tribuna da Internet o seguinte texto, que esclarece ainda mais a questão:
Notem que em meio ao absurdo voto do Barroso, o advogado da Câmara se aproximou da Tribuna. Barroso, sabendo o que aconteceria em seguida, o saudou dizendo:
– Se for uma questão de fato…
Lewandowski apressou-se a amaciar a toga justa para o colega. Disse ele, dirigindo-se ao advogado da Casa do Povo:
– Exatamente. Se V. Exa tiver uma questão de fato, exclusivamente de fato, ou uma questão de ordem, está com a palavra . Nós não admitimos contestações a votos de relatores ou de qualquer ministro vogal.
O advogado se defendeu:
– Sr. Presidente, não é nossa intenção polemizar com esta Corte…
– Nem poderia evidentemente, interrompeu-o Lewandowski
Balbuciou então, o advogado
– É só para colocar que o artigo 188 do Regimento Interno da Câmara , no seu inciso III , menciona E NAS DEMAIS ELEIÇÕES. Apenas esse esclarecimento.
E saiu desconsolado.
É só abrir o link da TV Justiça – sem 
cortes nas suas 4 horas de duração- para conferir o diálogo, aos 37 minutos e 50 segundos.


FALTOU O GRITO DO ADVOGADO

O que ficou faltando foi o advogado da Câmara, com licença ou sem licença do presidente da sessão, ir à tribuna e dizer, em alto e bom som: “E nas demais eleições também, ministro”. Mas dizer isso em voz alta, com ênfase, repetidamente, para que todos ouvissem. Enfim, um protesto, veemente.  Protesto saudável, bem-vindo e bendito, que até Deus gostaria de ter ouvido e aprovaria, não é mesmo, saudoso doutor Sobral Pinto? Um protesto mesmo da cadeira na plateia, sem precisar ir à tribuna ou depois de tê-la deixado. Falar, falar e falar.  O que aconteceria ao advogado? Uma advertência? Uma reprimenda? A exclusão do recinto? Que fosse, uma ou todas essas decisões do presidente Lewandowski. O essencial já estaria dito. Dito e registrado em vídeo e áudio e entrado para a história.

Não se está aqui lamentando não ter ocorrido um quiproquó, ou um bafafá, ou um forrobodó entre o advogado, Barroso e Lewandovski. Mas se tivesse ocorrido, que mal faria? Das muitas prerrogativas de um advogado não é “reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento”? (Estatuto da Advocacia Lei nº 8906, de 4.7.94, artigo 7º, nº XI).

Observe-se que para fazer reclamação, justa reclamação, a lei não impõe qualquer condicionante ou obstáculo. O protesto é livre. Livre, democrático, republicano, e os juízes precisam ouvir, antes de decidir. Até mesmo depois, porque nada é imutável e eterno. A começar pela vida corpórea de cada um de nós.

UM MORTO-VIVO

Muitos anos atrás defendi uma vítima que teve o tampo da cabeça arrancado por um ônibus que invadiu a passarela de pedestre do Viaduto de Benfica, no Rio. Ele sofreu também afundamento do crânio. E sobreviveu, com graves sequelas. O rapaz venceu a ação na primeira instância contra a empresa de ônibus que recorreu para o TJ do Rio para pagar menos ou nada pagar. 
É sempre assim. Empresa de ônibus, quando diz que está dando assistência às vítimas de acidentes, é mentira. No dia da sessão de julgamento, comprei um paletó para meu cliente e o levei comigo para assistir à sessão que iria julgar o recurso da empresa de ônibus. Em certo momento, o desembargador-relator disse no seu voto que negava a pensão mensal de um salário mínimo “porque a vítima tinha morrido e não se pode pagar pensão a um morto”.

Foi quando, imediatamente, dei um pulo da cadeira da platéia e falei bem alto. Gritei mesmo: “Não morreu não, doutor relator. Ele está vivo. E está aqui comigo (e apontei para meu cliente)”. 
Pronto, foi o suficiente para que o Tribunal desse a ele, além da verba por dano moral, a pensão vitalícia, que recebe até hoje, 20 anos depois. Foi aquele grito que dei — mesmo me sujeitando à uma tremenda reprimenda ou expulsão do recinto — que fez com que a Justiça fosse concretizada na sua plenitude, se é que dinheiro paga danos dessa ordem. Terminada a sessão, o tal desembargador me encontrou no corredor, pediu desculpas e disse:

“Dr. Béja, quase matei seu cliente. Ainda bem que o senhor estava atento, presente e com sua intervenção consertei meu voto e meus colegas desembargadores também”.
Parece que foi isso que faltou fazer naquela sessão do STF. Mesmo que custasse a expulsão do advogado do recinto.

09 de janeiro de 2016
Jorge Béja

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