"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

SOBRE NAZISMO E DESCRENÇA POLÍTICA


 
Numa das entrevistas concedidas ao jornalista “independente” David Barsamian entre 2010 e 2012, reunidas no livro “Sistemas de poder” (Editora Apicuri), o linguista, filósofo e ativista político americano Noam Chomsky alerta para os perigos da descrença na política.
 
A desilusão com os políticos e os partidos, ele recorda, já era forte antes da Depressão e foi uma das condições fundamentais para que o nazismo surgisse numa Alemanha que era considerada um modelo de democracia parlamentar e colosso da civilização nas artes e nas ciências na década de 1920.
Chomsky faz então uma analogia que ele mesmo considera imperfeita, mas irresistível, com o que ocorre hoje nos Estados Unidos, onde a raiva contra empresas, governo, partidos e instituições leva metade da população a achar que todos os que estão no Congresso deveriam ser postos no olho da rua.
Diz Chomsky: “Em 1925 houve uma votação popular maciça em Paul von Hindenburg para presidente. Ele era um aristocrata prussiano, mas seus eleitores eram lojistas pequenos burgueses, trabalhadores desiludidos etc. — na realidade, eram demograficamente pouco diferentes do Tea Party. E se tornaram a massa de base do nazismo”.
É óbvio que a descrença política é a expressão de um sentimento legítimo que pode, e muitas vezes deve, ter viés positivo: alimenta a massa crítica e está também na base de ações nobres, de manifestações redentoras, nas formas não violentas de anarquia (e das controversas “ações diretas”, que vão de flash mobs aos agressivos black blocs) e na filosofia. 
 
Quando, contudo, a desilusão toma uma forma difusa e contamina a consciência cívica do cidadão com um ânimo de dissolução, nutrido por medo, frustração pessoal ou associativa, mágoas e ímpetos de expiação — um monstro, então, sempre responde à evocação da massa, disposto a salvá-la do suposto abismo
Isso não significa que tais fenômenos entre o niilismo (a busca do aniquilamento pelo aniquilamento, a descrença radical) e seu oposto (quando se aspira à destruição seguida de uma reconstrução salvadora, a qualquer preço) sejam fábricas de hitlers em série. Hitler foi um monstro singular e único, de sua época.
Por isso, sempre que se usa o nazismo como parâmetro comparativo, os circunstantes protestam, pelo caráter emblemático da tragédia. Mas emblemas servem para isto: para se diferenciar pela semelhança. Para não esquecermos que tudo pode acontecer de novo de outro jeito, com outro nome e com outros alvos. Monstros há para todos os gostos, desde que haja condições propícias para sua emergência. 
A Guerra ao Terror pós-11 de Setembro viu germinar George W. Bush, o monstro da mediocridade, cercado por uma corte de fundamentalistas, num país ameaçado por monstros criados pela sua própria política externa, e transformados em seus algozes. Isso naquela que é considerada por muitos a democracia por excelência, como o era a República de Weimar nos anos 1920.
Na França, onde a alma do colaboracionismo de Vichy continua viva e os líderes de qualquer cor adoram depositar flores no túmulo de Pétain, a detestável Frente Nacional, partido de extrema-direita cuja persistência vem dando seus frutos mais gordos neste tempo de alta xenofobia europeia, ameaça ganhar as eleições parlamentares depois que Marine le Pen transformou o discurso de seu pai, Jean-Marie le Pen, numa paçoca de fascismo light. Nessa família-monstro não se sabe quem é pior, se o pai, puro, ou a filha, dissimulada.
No Brasil, um caldo ruim está se formando. Ao ativismo pseudossimbólico dos black blocs, espécie de brigada oportunista que aposta no caos e que não tem a estatura de seus ascendentes americanos e europeus, as autoridades de São Paulo respondem com a Lei de Segurança Nacional, que deveria estar extinta. No Rio, a política de segurança frente às manifestações já se provou um desastre completo, com suas obscuras estratégias, suas simulações e sua tentativa de criminalizar, por tabela, o direito de protesto.
São os monstros, sempre de plantão, respondendo aos apelos dos que torcem pelo pior. Isso porque o Brasil está com pleno emprego (ou quase) e não há uma crise econômica no sentido clássico. Imaginem se houvesse. Nas ruas, como sempre, ouvem-se os saudosistas da ditadura. E sempre dizemos do Brasil que é um país complexo demais e que suas instituições estão maduras o suficiente para que nossa jovem (já nem tanto) democracia resista, sempre.
É preciso, contudo, não se fiar nisso, lembrar diariamente que a história não é uma linha reta evolutiva e que democracia não é ciência exata. Como se disse e se repete, é apenas o melhor regime até prova em contrário.
É preciso lutar por ela antes que alguém prove o contrário na base da porrada.
14 de outubro de 2013
Arnaldo Bloch é Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 12 de outubro de 2013.

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